Juliana Santos Barbosa, 20 anos, moradora de Guriri, em São Mateus, é a vítima mais recente noticiada da doença falciforme no Estado. Todas as vezes em que se noticia algo a respeito corre-se o risco de, inadvertidamente, fazer-se uma abordagem que escorrega pelo campo do preconceito e da discriminação étnica (não gosto do termo racial, porque somos todos raça humana, de etnias diferentes).

Há sete anos eu escrevia em meu blog meus sentimentos com um fato ocorrido na comunidade que participo, a Igreja Batista da Praia, na Praia da Costa, quando tivemos de conviver com a dor da perda precoce de um de nossos jovens mais alegres: Fábio Minda, que iria completar 21 anos. 

Fábio foi vítima da anemia falciforme, uma doença hereditária predominante entre  pessoas de descendência africana. Tenho um amigo que perdeu quatro irmãos por conta da doença. No caso do jovem Fábio, foi a segunda pessoa da família a morrer por conta dessa enfermidade, que a medicina moderna ainda não consegue solucionar.

Fábio, de acordo com sua família, contava cada dia a partir de quando fez 18 anos, idade limite que os médicos lhe deram quando a doença foi detectada. E vivia intensamente a cada amanhecer, talvez porque soubesse que cada um deles poderia ser o último.

A anemia falciforme é uma doença tão grave e letal que gerou, por parte do Ministério da Saúde, um Manual para a População. Esse manual pode ser acessado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0206_M.pdf ,mas quero enfatizar algumas informações.

As pessoas com anemia falciforme têm nas células sanguíneas um defeito: em vez da hemoglobina A, que oxigena todo o sangue, produzem a hemoglobina S, que não cumpre a mesma função. É diferente de quem tem a anemia mais comum, por deficiência de ferrou ou de hemoglobina A, que podem ser tratadas e curadas com suplementação do mineral e com alimentação.

Infelizmente, pessoas com anemia falciforme, porque sua hemoglobina é a S, podem melhorar a qualidade de vida com acompanhamento médico, mas não conseguem ainda se curar, sofrendo terríveis dores, principalmente nos ossos.

E de onde vem essa doença? A anemia falciforme, na verdade, é resultado de uma mutação genética por causa da malária em países africanos. Pessoas com a hemoglobina S não pegam malária. Ou seja, a natureza tratou de preservar as populações africanas fortemente atingidas pela malária há alguns milhares de anos.

Conta o manual do Ministério da Saúde:

“Há muitos anos, na África, a malária matava muitas pessoas. Por tal 
motivo, a natureza resolveu proteger seus filhos da morte pela malária, 
provocando neles uma alteração genética que chamamos de mutação, 
alterando a informação que vem no gene (DNA).

Com a alteração, essas pessoas passaram a produzir a hemoglobina S, em vez da hemoglobina A. Assim, quem tivesse na hemácia a hemoglobina S não seria infectado pela malária. Com isso, diminuiu muito a morte pela malária em virtude da imigração forçada, isto é, do tráfico de africanos e dos movimentos populacionais em busca de melhores condições de vida. Essa mutação se espalhou pelo mundo.
No Brasil, pelo fato de o país ter recebido uma grande população de africanos e por apresentar alto grau de mistura de raças, existem muitas pessoas com anemia falciforme, principalmente os afrodescendentes”.

Mas não, exclusivamente, é bom que se diga. Se não, vejamos. Como se dá a transmissão? Quando a pessoa recebe do pai e da mãe, simultaneamente, genes que produzem a hemoglobina S e não a hemoglobina A. Portanto, a transmissão é do casal e não apenas de um dos dois ascendentes. Se receber de  apenas um dos dois, a pessoa terá o “traço falciforme” e não a doença.

A doença é detectada, precocemente, no teste do pezinho em bebês. E quando isso acontece pode ser tratada mais cedo, mas ainda não existe cura. No Brasil nascem por ano 3.500 crianças com a anemia falciforme e os maiores índices são na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Agora, um alerta: se você acha que é branco e não precisa temer a doença, pode estar se enganando. Registros antropológicos comprovam, por exemplo, que as antigas populações da Rússia, da China e outros países “brancos” eram pretas. A questão não é a cor da pele, mas a presença no ambiente em que o organismo sofreu a mutação.

Um detalhe: no caso de Fábio, o jovem que eu “vi” morrer há sete anos, a mãe tem pele preta, mas o pai tem pele branca.,José Caldas da Costa