O filho do lavrador Hermogeneo Lucas e da professora do ensino primário, Emilia Isabel Lucas, nascido em 15 de setembro de 1940, na localidade de Santa Rita, município de Rio Novo do Sul, é, hoje, a  figura antológica popular de Cachoeiro de Itapemirim. Hermogeneo Lucas Filho, o "Neném", 78 anos, atravessou várias gerações de cachoeirenses com seu jeito 'diferente' que sempre, no mínimo, atraiu a curiosidade dos populares pelo seu modo, digamos, peculiar no dia a dia da cidade.

 

Hoje, os passos já não são tão largos e rápidos pelas ruas e becos, afinal, o tempo cobra pedágio nessa passagem pelo trem da vida, mas a disposição ainda é a mesma. Às vezes absorto, olhando o horizonte; outras tentando 'ordenar' o trânsito, Neném leva a vida como o mais livre dos pássaros. Dia e hora não fazem a menor diferença.

 

Na casa onde vive com os irmã  Arliede de Moraes Lucas, 83 anos, na rua Jerônimo Ribeiro, no bairro Amarelo, Neném é cercado de mimos.

 

"A nossa família sempre viveu de forma simples e éramos seis irmãos. Papai trabalhava na roça e minha mãe procurava ensinar as primeiras letras para as crianças da localidade onde morávamos", lembra.

 

Sobre o irmão, ela disse que desde os primeiros dias de nascido a família percebeu que a criança era portadora de algum tipo de deficiência.

 

"Ele quase não se mexia na cama e quando meus pais procuraram o médico, coisa difícil naquela época, foi diagnosticado que o Hermogeneo havia nascido com uma pequena deformidade na região do crânio, mas o doutor disse que ele seria portador de deficiência da fala por sequela cerebral", lembra Arliede.

 

 

Mudança para Cachoeiro

 

Morando há 62 anos no mesmo local, a irmã conta que Neném tinha 16 anos naquela época, mas que sem recursos nunca houve qualquer tipo de tratamento para tentar reverter o problema.

 

"Mesmo assim, ele era um adolescente atento e sempre ajudava as freiras do 'Cristo Rei' a carregar as compras de mantimentos para a escola. Nós tentamos ajuda da Apae, mas Neném frequentou a entidade por menos de um ano. Ele nunca gostou de ficar em locais fechados e com pessoas estranhas. Hoje, ele está mais socializado e acho que isso veio com a idade", contou.

 

Arliede recorda de um episódio que marcou, de forma negativa a sua vida: foi após o irmão, na ocasião com 30 anos, derrubar uma idosa e o delegado de então - ela não se recorda do nome - mandar que Neném ficasse recolhido em casa.

 

"Meu pai, homem rústico, acabou colocando uma corrente com cadeado nas pernas dele, mas mesmo assim não evitava as fugas para a rua. Um dia, uma das freiras mandou serrar as correntes", relatou.

 

 

Inusitado

 

O irmã se diverte ao lembrar as peripécias de Neném quando o assunto era as corridas de rua, e conta que na década de 80 - a data exata foge da mente -, numa seletiva para a tradicional corrida de São Silvestre, em São Paulo, os participantes da prova partiram da localidade de Safra com destino ao centro de Cachoeiro e com Neném 'puxando' o pelotão. "Quando chegou na altura do bairro União, um caminhoneiro deu carona para o meu irmão que voltou ao encontro dos corredores. Se misturou ao grupo, de novo, e chegou cerca de 10 minutos de vantagem ao pódio, na praça Jerônimo Monteiro", revelou.

 

"E essa não foi a única vez em que os concorrentes ficavam para trás com larga vantagem para o Neném. Acho que ele nasceu para correr. Mas hoje, com a idade, já está mais acomodado, afinal o tempo passa para todos nós", pondera.

 

"A única coisa que ele continua a fazer é cantarolar, do seu jeito, as canções de sucesso, principalmente de Roberto Carlos. Bastar ouvir uma ou duas vezes para repetir, no ritmo, uma determinada música. Neném é mais esperto do que pensamos", conclui.