Apesar de a escravidão ter sido oficialmente abolida no Brasil em 1888, a realidade para negros e brancos ainda está muito longe da igualdade. Uma pesquisa realizada pelo Observatório das Metrópoles, PUC-RS e Observatório da Dívida Social da América Latina mostra que, na Grande Vitória, o valor médio do rendimento dos negros corresponde a apenas 51% da remuneração dos brancos. Os valores são relativos ao 2º trimestre de 2020.

O estudo aponta, inclusive, que a desigualdade vem aumentando nos últimos três anos. Em 2018, o rendimento médio do negro era 45,2% menor que o do branco, em 2019, 48,5% e agora, em 2020, chegamos a um rendimento 49% menor para pessoas negras em relação ao rendimento de brancos.

Para o Coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, os fatores que levam a desigualdade salarial entre brancos e negros são diversos, mas podem ser resumidos em racismo estrutural.  A Oxfam é uma organização, fundada no Reino Unido, que combate a pobreza e promove a justiça social.

“É resultado é de uma multiplicidade de fatores. A diferença na escolaridade é um deles. Um estudo lançado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no início de outubro, mostra que, entre os países analisados, o Brasil é onde o profissional graduado tem maior vantagem salarial. Ter uma graduação completa causa um aumento de renda muito considerável e, infelizmente, o branco tem muito mais acesso ao ensino superior e aos cargos de maior salário”.

A OCDE apontou que, no Brasil, um diploma garante uma remuneração média 144% maior sobre pessoas que possuem apenas ensino médio e 258% maior do que aquelas que concluíram o ensino fundamental. As médias dos demais países analisados são de 54% e 89% respectivamente.

Para Nascimento, a questão da pandemia também causa um forte impacto na desigualdade de renda entre brancos e negros. “Também está um pouco vinculado à questão pandêmica e do tipo de trabalho afetado. As pessoas com trabalho informal são as mais afetadas e que sofrem a maior queda de renda. Aquelas da linha de frente da perda de renda são trabalhadores informais, comerciantes, da construção. E as pessoas que ocupam esses cargos e exercem essas atividades são, a maioria, negras”, pontua.

Na média nacional, o negro recebe 42,6% a menos do que o branco, ou seja, a desigualdade na Grande Vitória é maior do que a média brasileira. Entre 22 regiões metropolitanas analisadas pelo estudo, a Grande Vitória é apontada como a 5ª região mais desigual.

A maior diferença entre os salários de brancos e negros é em São Paulo, onde o negro recebe 57,2% a menos do que brancos e a região que mais se aproxima da igualdade é Macapá (AP), onde o branco recebe “apenas” 26,1% a mais do que os negros.

Dificuldade de ascensão social

Jefferson Nascimento também afirmou que desde o início dos anos 2000 até 2015, o Brasil viveu uma trajetória de queda de desigualdade, inclusive entre brancos e negros. A queda foi medida pelo Índice de Gini, que é uma medida universal para a distribuição de renda.

“Em 2015 a desigualdade bateu no ponto mais baixo, no Brasil. Devido à crise econômica, ela voltou a subir e, em 2019, atingiu o maior nível de desigualdade desde 2012. Agora, regredimos aos patamares do início dos anos 2010 e, possivelmente, no ano que vem, vai piorar, devido aos efeitos da pandemia”.

O especialista ainda afirmou que a Emenda Constitucional nº 95, assinada em 2016 e que limita os gastos do governo durante 20 anos, também teve peso no aumento da desigualdade, impactando em políticas públicas. Além disso, o cessar do aumento do salário mínimo real também impactou no aumento da desigualdade.

Um outro estudo, do Fórum Econômico Mundial, de janeiro de 2020, mostrou que o Brasil é o país mais difícil do mundo de se ascender socialmente, ou seja, a dificuldade para os negros atingirem os níveis salariais dos brancos é imensa.

Os resultados mostraram que no Brasil é preciso que se passem nove gerações para que uma família de baixa renda ascenda socialmente e se torne classe média. O Fórum também apontou que entre 82 países analisados, o Brasil é o 80º com o pior nível de aprendizado ao longo da vida.

“A diferença não está diminuindo. A equiparação de renda entre brancos e negros se mantém estável há nove anos. Na questão salarial já são nove anos de estagnação para o negro, sem ascensão social”, comentou Jefferson.

Menos dinheiro e mais sangue

A desigualdade racial no Brasil não se faz presente apenas quando o assunto é o rendimento médio e a distribuição de renda. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 mostram que os negros são as maiores vítimas de mortes violentas intencionais no país.

Quando falamos do número total de homicídios que aconteceram no Brasil em 2019, 74,4% das vítimas eram pessoas pretas ou pardas e apenas 25,3% eram brancas. Já em relação às mortes em decorrência de intervenção policial, 79% das vítimas eram negras e 21% brancas.

Para o especialista da Oxfam Brasil, assim como na questão salarial, o alto número de mortes violentas de pessoas negras também é uma consequência do racismo estrutural.

“O índice de mortalidade é porque a população negra está representada nas periferias. Nesses lugares há menos disponibilidade de serviços públicos e a diferença de expectativa de vida entre bairros ricos e periféricos pode chegar até a 23 anos. E a população negra está nas periferias, onde a violência policial também é maior”.

Nascimento também disse que nas periferias, onde a população negra em maioria reside, o acesso aos direitos é mais limitada, a taxa de desemprego é maior e todos esses elementos estão ligados.

“Tudo isso, a desigualdade salarial, a violência e morte da população negra, são questões, inclusive, de representação política. Uma das formas de se mudar esse cenário é com políticas públicas mas, para as políticas serem pensadas para a população negra periférica, essas pessoas têm que estar representadas e ocupando os cargos políticos em todos os âmbitos”, finalizou.