Quem o vê segurando um cartaz amarelo que diz “compre uma paçoca e ajude a formar um psicólogo”, debaixo de um semáforo de Vila Velha, nem imagina que o rapaz é Landerson Freitas Queiroz da Silva, um ex-jogador de futebol que atuou como volante pelo Vitória, no final da temporada de 2015.

 

Mas é pela frase impressa no papel que ele chama atenção. Ele está ali para realizar um sonho: se formar em Psicologia. Estudante de uma universidade particular, ele precisa de cada 50 centavos para poder viver e pagar os estudos, que começaram no início deste ano, pouco antes da pandemia.

 

A batalha diária nas ruas, porém, começou bem antes. Frustrado no trabalho que tinha em um supermercado e inspirado por um livro de empreendedorismo, Landerson resolveu fazer um teste.

- Com o dinheiro que eu ganhava, mal dava para sobreviver. Decidi ir para o sinal e fui. O primeiro dia foi um misto de sentimentos - lembra.

O ex-jogador mora no bairro Soteco, em Vila Velha — Foto: Carlos Alberto Silva/A Gazeta

 

Segundo o ex-jogador, houve quem achasse bacana e o incentivasse, mas também quem o julgasse com o olhar — além de trabalhar no semáforo, ele é negro.

 

- Tudo envolve a questão da minha pele, acaba influenciando, não tem jeito - garante. Focado, Landerson conciliou os dois serviços por quase seis meses.

 

No dia 2 de setembro de 2019, ele deixou o emprego formal. No dia 4, ele assinou uma proposta de bolsa para cursar o ensino superior — fruto também do trabalho dele, em um sinal movimentado da Avenida Luciano das Neves, em frente a um shopping da cidade, onde passam milhares de motoristas diariamente.

 

"Uma professora de Direito me viu e gritou se eu queria estudar. Respondi que queria muito! Marcamos um almoço e ela disse que veria o que poderia fazer. Depois, o diretório da universidade me convidou e fez uma proposta"

 

Landerson jogou no Vitória-ES em 2015, como volante — Foto: Carlos Alberto Silva/A Gazeta

Landerson jogou no Vitória-ES em 2015, como volante — Foto: Carlos Alberto Silva/A Gazeta

Durante os cinco anos do curso de psicologia, ele tem a garantia de não precisar arcar com as mensalidades de quase R$ 1.500. No entanto, a cada semestre, o boleto da rematrícula bate à porta. Filho de uma dona de casa e de um segurança, ele é o caçula de três irmãos e o primeiro da família a fazer graduação. O estudo acontece principalmente no período matutino. O despertador toca por volta das 6h. As aulas começam por volta das 7h e terminam às 12h45.

- É muito bom, parece que vivo um sonho. Estou encantado com a psicologia - afirma entre sorrisos. Às 14h, Landerson já bate ponto no semáforo, onde costuma ficar até o início da noite.

 

Atualmente, por conta do ensino à distância, ele tem duas manhãs livres: as de terça-feira e sexta-feira, quando aproveita para reforçar a venda das paçocas. Em média, ele vende cerca de 200 unidades desse famoso doce de amendoim por dia. O que o faz tirar uns R$ 100.

 

"É muito relativo, por causa do tempo e das pessoas. Às vezes, também aparece uns doidos abençoados que nos dão 20 ou 50 reais e levam só uma paçoca, ou nenhuma. Dão pelo propósito. Aí, eu consigo uns R$ 150 no dia"

 

Landerson vende paçocas em sinais de trânsito em Vila Velha — Foto: Carlos Alberto Silva/A Gazeta

 

Além desses casos extraordinários de solidariedade, o jovem também se lembra de um dia em que foi reconhecido enquanto voltava para casa e recebeu R$ 100 de um homem:

 

- É para tirar xerox e apostar em você mesmo - ouviu. Coincidentemente, nesta sexta-feira, o ex-atleta também recebeu o incentivo de uma psicóloga. Nascido em Salvador (BA), hoje o futuro psicólogo mora no bairro Soteco, em Vila Velha, e diz se sentir em casa.

 

- A gente que é de fora do Estado ouve que os capixabas são muito fechados, mas, na verdade, são muito generosos. A partir do momento em que eles acreditam na pessoa, eles abraçam. Foi assim que aconteceu comigo - diz, agradecido.

 

 

Sonho já realizado no futebol

 

Como muitos meninos no Brasil, o sonho de Landerson era ser jogador de futebol — e ele foi.

 

- Comecei cedinho, com uns 13 anos, e cheguei a me profissionalizar. Vivi do futebol, viajei e conheci muitas pessoas. Não fui nenhum Neymar (risos). A gente projetava muito mais, mas, mesmo assim, me sinto realizado - comenta.

 

Enquanto atuava dentro do campo, ele morou em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. Chegou até a ir para a Bolívia. Além do Espírito Santo, é claro, onde jogou pelo Vitória-ES. A passagem pelo Alvianil de Bento Ferreira durou apenas alguns meses, durante o ano de 2015.

 

Depois de viver um tempo sem saber o que fazer quando largou o futebol profissional, Landerson prevê para o futuro uma mistura do passado e do presente. Além de exercer a psicologia, ele gostaria de montar um centro de formação de "jogadores-cidadãos" em terras capixabas.

 

- Seria um projeto com psicólogo, fisioterapeuta, dentistas e médicos para formar atletas; mas que, se não derem certo, virariam bons cidadãos. Seria uma forma de doar um pouco do que a gente ganhou para a comunidade - vislumbra Landerson, que se vê daqui a cinco anos, formado, atuando na área e casado.