A história de Carlos Henrique, já relembrada aqui nos três primeiros capítulos, tem lances inusitados. Já vimos que ele se espelhou nos irmãos para jogar futebol, depois de praticar atletismo de velocidade nas escolas onde estudou, e fez disso, mais do que uma diversão, uma maneira de melhorar a renda desde quando era adolescente em Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu e cresceu jogando nos campos de Vila Rica.

Mas muito do que Carlos Henrique conquistou deve-se à sua intuição e seu jeito alegre e solto de ser, do mesmo jeito que desembestava pela ponta-esquerda conduzindo a bola até vencer o goleiro em mais um gol pelos times que defendeu. Ficou quase três anos na Desportiva e, de lá, foi para o Flamengo, onde fez muitas amizades, as quais conserva até hoje - e aquelas que fala com mais orgulho são as de Cláudio Adão e da família Coimbra.

O início de sua carreira internacional deveu-se muito aos filhos de dona Matilde e seu José Antunes Coimbra. Primeiro, quem abriu as primeiras portas foi Edu Coimbra; segundo, que ele precisou que Zico pagasse seu passe junto ao Criciúma para que ele se transferisse para o Barcelona, de Guaiaquil. Essa história eu vou contar hoje, mas antes é preciso concluirmos a fase nacional, inclusive a chance de jogar na Seleção Brasileira no início da preparação para a Copa do Mundo de 1986, quando foi comandada por Telê Santana.

 

No Palmeiras, a chance de ir para a Seleção Brasileira 

 Time do Palmeiras, onde Carlos Henrique brilhou nas temporadas de 1983 e 1984)

Depois de duas ótimas temporadas pelo Londrina (final de 1981 e todo o ano de 1982), Carlos Henrique estava sendo negociado pelo clube paranaense com o Vasco, mas acabou mesmo indo para o Palmeiras, onde ficou duas temporadas. De acordo com o portal Terceiro Tempo, do jornalista Milton Neves, Carlos Henrique fez 59 partidas pelo Palmeiras, entre 1983 e 1984 (com 19 vitórias, 32 empates e oito derrotas), e marcou 10 gols. 

No antigo Parque Antarctica, o ponta voltou a fazer o que fazia no Flamengo: armar as jogadas para os outros finalizarem. Diferente do Londrina, onde ele finalizava a maioria das suas próprias jogadas. No “Porco”, Carlos Henrique tinha uma forte concorrência, como Mário Sérgio e Baroninho. Nesta época, ele disse que perdeu a chance de integrar a Seleção Brasileira, que era, temporariamente, comandado por Edu Antunes Coimbra, o Eduzinho, irmão de Zico.

“O João Marcos era meu companheiro de concentração, chegou para mim e disse: o Palmeiras vai ter dois jogadores convocados para a Seleção, eu e você. Mas no mesmo dia, durante um treino, eu me contundi seriamente e fiquei praticamente o resto do ano sem jogar como eu sabia. Nessa época, veio o Atlético Paranaense e me contratou ao Palmeiras contundido mesmo”, conta o ponta.

Carlos Henrique não se lembra de datas, mas possivelmente está falando da convocação da Seleção para um amistoso oficial contra o Uruguai, no qual João Marcos foi relacionado. O goleiro não pôde ser ouvido para esta reportagem, pois no dia 2 de abril deste ano morreu, aos 66 anos, em Botucatu, cidade onde nasceu, devido a complicações no esôfago.

Carlos Henrique se lembra do Palmeiras em que jogou em 1983-84 como “um timaço”: jogou ao lado de Luiz Pereira, Batista, Jorginho e Enéas, além do goleiro João Marcos, de quem se lembra com saudades, principalmente porque era sempre seu companheiro de quarto. Por esse time, Carlos Henrique lembra-se de ter feito um dos gols mais bonitos de sua carreira: o segundo na vitória de 3 a 1 no Brasileiro de 1983, justamente sobre o Flamengo, que naquele ano seria campeão.

Vídeo dos gols da vitória de 3 a 1 do Palmeiras sobre o Flamengo: Carlos Henrique fez o 2º

“Quando cheguei no Atlético, que foi um dos piores ambientes que vivi no futebol, os caras vieram me perguntar em quanto tempo em jogaria. Eu disse que precisava de 90 dias para me recuperar, mas o jornalista Josias Lacour veio falar comigo que os médicos do clube garantiram que eu jogaria em 60 dias. Eles queriam que eu jogasse logo e eu não queria fazer loucura e me inutilizar. Quase quebrei o pé por causa disso, porque me fizeram voltar antes”, conta ele.

O que vem depois é uma história que mistura glória e desgosto. “Fazia 60 dias que eu tinha chegado contundido e me colocaram no grupo que foi a Ponta Grossa jogar com o Operário. Tinha dois anos que o Atlético não conseguia ganhar lá dentro. Faltando 15 minutos para o final do jogo, entrei e fiz o gol da vitória. O diretor que me levou me deu um Monza novinho e essa foi minha perdição, porque o resto do time queria me matar. Fui boicotado o tempo inteiro”, revela Carlos Henrique.

Com a camisa do Atlético-PR, que o contratou em 1984 ao Palmeiras, mesmo contundido

No final daquele ano de 1984, Carlos Henrique retornou ao Palmeiras, mas o Grêmio Maringá, que desde a época do Londrina já queria contratá-lo (os dois clubes rivalizam no Norte do Paraná), o levou por empréstimo no início de 1985 com o passe fixado em 80 milhões de cruzeiros. “O Atlético Paranaense foi jogar em Maringá e ganhamos de 3 a 0, e eu fiz os três gols. Foi minha vingança”, comemora o ex-ponta.

O Maringá comprou seu passe, mas estava chegando ao final uma era gloriosa no clube, que foi perdendo espaço e prestígio até o final dos anos 90. Em 1986, um momento marcante na vida de Carlos Henrique. Ele foi cedido pelo Maringá para jogar em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e lá uma de suas experiências mais duras.

“Vários jogadores eram contratados por eles para o chamado Campeonato Sertanejo. Eles pagavam bem, tanto à gente quanto aos clubes que cediam. O que a gente não sabia é que lá todo mundo andava armado. Em setembro daquele ano, o Atlético Paranaense foi jogar lá,  houve um desentendimento na portaria do hotel e o porteiro matou o Soter (zagueiro, com quem Carlos Henrique havia jogado no Atlético-PR). Fiquei traumatizado com aquilo e dei um jeito de voltar o mais rápido possível para Maringá”, disse o ex-atleta.

O jogador foi emprestado em 1987 ao Uberlândia (MG), segundo informou, com passe fixado em 200 milhões de cruzeiros. “Foi um grande negócio para o Grêmio Maringá. O time do Uberlândia era um timaço, treinado pelo Jair Bala”, conta.

Naquele ano de 1987, o Uberlândia foi o quarto colocado na classificação geral do Campeonato Mineiro, atrás do campeão Cruzeiro, do Atlético e do Tupi. E foi vice-campeão brasileiro do Módulo Azul (o campeão foi o Americano, de Campos), naquele confuso campeonato das cores provocado pelo Clube dos 13, depois que a CBF promoveu o campeonato de 1986 classificatório para definir a primeira e a segunda divisão nacional.

O de 1987 foi o Brasileiro da polêmica do campeão brasileiro: Flamengo (campeão do módulo amarelo, que seria a primeira divisão) ou Sport Recife (módulo verde, que seria a segunda divisão). O regulamento previa uma disputa do título entre os campeões dos módulos amarelo e verde, mas o Flamengo recusou-se a jogar com o Sport.

Passe comprado com dinheiro do Zico


Carlos Henrique no Coritiba: uma fase difícil, com uma lesão que o impedia de jogar bem

No final do empréstimo feito ao Grêmio Maringá, o Uberlândia comprou o passe de Carlos Henrique e, depois da boa temporada no Brasileiro e no Campeonato Mineiro, ele foi negociado com o Coritiba, onde formou no time em que jogava também Adílio, campeão do mundo pelo Flamengo: “Era outro time muito desunido. Eu estava com uma lesão, não conseguia jogar direito e acabei sendo vendido para o Criciúma, onde descobriram que eu estava com uma fratura no quadril, por isso não conseguia jogar. Um fisioterapeuta lá me colocou para correr 12 quilômetros, foi uma loucura. O técnico era o Edu Coimbra, que, de lá, foi para o Barcelona de Guaiaquil”.

Edu Coimbra pediu ao Barcelona a contratação de Carlos Henrique, que, aos 30 anos, começou sua carreira pela América Latina, em 1988. Carlos Henrique já estava em Guaiaquil, mas o Criciúma não queria liberá-lo por empréstimo. Foi nessa época que ocorreu o episódio envolvendo o maior ídolo do Flamengo e, também, do próprio Carlos Henrique.

“O Criciúma queria o dinheiro do passe. Eu tinha essa grana, mas na época não era fácil fazer uma transação financeira estando no Exterior  e meu dinheiro estava no Brasil. E eu tinha que resolver logo, porque eles queriam me inscrever na Libertadores. Foi então que liguei para o Zico e ele me falou: Carlos Henrique, vou ter que tirar da aplicação e você vai me pagar os rendimentos. Ele foi lá e pagou 100 milhões ao Criciúma e eu pude jogar”, conta Carlos Henrique.


Na capa de revista de esportes do Equador, onde jogou no Barcelona

O ex-ponta se diverte em contar essa história: “Pensei que o Zico ia aliviar, mas ele me cobrou 20% quando fui pagar”. E cai na gargalhada com a história vivida com  aquele que é seu maior ídolo no futebol, conforme revelou na entrevista ao canal Tiro Libre, de seu ex-colega Marquinho, do futebol peruano.

Em 1989, Carlos Henrique teve uma breve passagem no início do ano pelo Cerro Porteño a caminho do Sports Boys, quarta força do futebol peruano, onde ficou até 1996, quando parou de jogar aos 38 anos de idade.

No próximo capítulo, os anos gloriosos no futebol do Peru, o período como empresário de futebol e, finalmente, a nova vida como dono de empresa nos Estados Unidos.