“Quando recebi o resultado pensei que ia morrer. Mesmo já tendo ouvido falar muito sobre o HIV, na hora lembrei do meu ídolo Renato Russo que morreu”, conta João Geraldo Netto , do canal Superindetectável e consultor para o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das  Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/ Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde, sobre o momento em que descobriu ser HIV positivo.

Para Daniel Fernandes , do canal do YouTube Prosa Positiva, o momento foi um pouco diferente graças a informação que tinha. “Levei o meu namorado da época para fazer uns exames e acabei aproveitando para fazer também, foi quando o meu resultado deu HIV positivo . Uns anos atrás havia me voluntariado para ajudar assistentes sociais de um CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento), então sabia muito sobre o assunto. A informação que eu tinha fez com que eu não passasse por nenhum estresse ou pensasse coisas terríveis”, explica.

Assim como João e Daniel tiveram reações diferentes ao saberem que haviam sido infectados pelo HIV, cada pessoa soropositiva tem a sua. O ponto em comum e que os dois youtubers concordam é a importância do apoio dos amigos e familiares.

“O apoio é o que vai dizer se eu consigo ou não suportar a dor. Sem isso a carga pode ficar difícil de suportar. Eu já vi muita gente desistir de viver por não conseguir o apoio da família”, fala João que além do canal no YouTube, também é consultor do Ministério da Saúde. “O preconceito da sociedade acaba fazendo com que as pessoas tenham um preconceito pessoal e criem um medo muito grande de se aceitarem, se perdoarem, o que atrapalha o processo de adaptação e adesão ao tratamento”, acrescenta Daniel.

Esse preconceito que foi construído pela sociedade ao longo dos anos é uma das principais barreiras para disseminar a informação e reduzir os casos de HIV no mundo. Hoje em dia existem medicamentos que, quando tomados em conjunto e diariamente, agem diretamente no vírus e tornam a pessoa infectada indetectável, ou seja, com baixa carga do vírus no sangue. Nessa situação a doença não é transmitida e o HIV não evolui para AIDS.

Porém, sem informação a maioria não dá importância para o assunto. João explica que “um dos motivos pelo qual as pessoas mais se infectam com o HIV é a baixa percepção de risco. Isso vem da hora que alguém pensa, por exemplo, que a doença só atinge gays porque isso entrou no imaginário e não há uma orientação diferente. Quando infectadas essas pessoas morrem porque a percepção de risco é tão baixa que elas não chegam nem a fazer o teste, desenvolvem a Aids e só descobrem quando estão com uma tuberculose ou com uma pneumonia”.


Por outro lado, muitas pessoas que fizeram o exame e descobriram o HIV preferem se esconder por medo. “Isso pode ser visto diariamente quando alguém fica acanhado numa consulta com medo de que chegue um conhecido ou quando vai buscar a medicação e automaticamente troca o frasco para ninguém perceber do que se trata”, analisa Daniel. Assim, o assunto continua sendo evitado e a realidade não é alterada.

Foi pela busca de mudança que Daniel e João criaram seus canais no YouTube. “A falta de comunicação é o que mais prejudica o preconceito. Comecei a receber muitos foras de pessoas que ‘não conseguiam se envolver com alguém positivo’ e fiquei preocupado. Eu sabia lidar com o HIV, mas e os outros? Então decidi falar abertamente na internet por meio do Prosa Positiva”, conta Daniel que a princípio teve medo de ser atacado, xingado e até espancado na rua por causa da exposição, mas sabia que aquilo era necessário.

João começou falando de sua vida com o HIV em um canal próprio após perceber a falta de disponibilidade de conteúdo com o viés e em português na internet. Com a grande aceitação, decidiu separar a abordagem da sua vida pessoal e criou o Superindetectável. “Agora o canal não está vinculado somente ao meu nome, ele é um ser agênero e pode ser uma menina, um menino, uma travesti. A minha ideia é abrir para outras pessoas falarem, se mostrarem e cada vez mais fortalecerem a ideia da visibilidade positiva”, conta João.

Assim, cada vez mais a internet é utilizada para aproximar pessoas. Esse contato ajuda no combate contra o HIV e no convívio com o vírus. Hoje, Daniel e João enxergam o fato com bons olhos. “Foi um mal que veio para o bem, eu tomei um banho de humanidade, tenho mais empatia e me preocupo mais comigo mesmo”, conta Daniel. Para João houve uma “mudança completa na percepção de vida, quando, após muitos anos, percebeu que não iria morrer” e sua impulsividade passou a ser “canalizada para coisas positivas como produzir conteúdo para levar informação, mobilizar pessoas ou entrar numa briga por direitos”.

Todo o esforço e a exposição são recompensados quando os youtubers recebem mensagens de agradecimento de seguidores HIV positivos que veem neles a ajuda que precisavam para saber aceitar com o vírus e aprender a lidar com a doença. “Quando recebo mensagem de alguém falando que quando me viu abordando o assunto de uma maneira tão sóbria, num relacionamento, podendo viajar, vivendo normalmente e que isso mudou a vida dele, vale a pena tudo que eu passei”, finaliza João.