Daqui a uma semana, em 5 de novembro, o maior desastre ambiental do país completa cinco anos sem nenhum grupo dos atingidos ser integralmente indenizado. A afirmativa é da procuradora da República em Minas Gerais, Silmara Goulart, em entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira (29), realizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 

Ao mesmo tempo, faltam ser dados passos em relação às auditivas das testemunhas de defesa, acusação — vão ser ouvidas no Canadá e no interior da Bahia. Em seguida, diligências complementares às alegações finais e, por fim, o julgamento. Ou seja, ninguém foi punido pela tragédia. 

Inicialmente a denúncia foi feita contra mais de 20 pessoas físicas e 4 empresas. Atualmente, no entanto, o número de pessoas físicas rés caiu mais da metade (sete pessoas), enquanto o de empresas permaneceu o mesmo (quatro empresas). 

“A denúncia foi oferecida pelo MPF e foram aferidos vários recursos. O MPF assegura que não teve julgamento. Acusamos o julgamento dos réus, dos poucos que restaram no processo… Nenhuma testemunha de defesa foi ouvida”, disse o procurador da República em Minas Gerais e integrante da Força de Trabalho Rio Doce, Gustavo Henrique Oliveira. 

Diante deste panorama, traçado pela também procuradora da República em Minas Gerais e integrante da Força de Trabalho Rio Doce, Flávia Tôrres, “o compromisso não foi completamente honrado pelas instituições envolvidas”. 

Mesmo assim, de acordo com o procurador da República em São Paulo e integrante da Força de Trabalho Rio Doce, Edilson Vitorelli, existem famílias de atingidos que receberam danos morais, o que para ele não tange o tamanho do desastre. “Um cancelamento de voo, hoje, no Brasil, gera uma indenização de R$ 10 mil. Estamos equiparando um cancelamento de voo ao maior desastre ambiental do Brasil”. 

Enquanto quase nada avançou em relação às indenizações, em quase dois mil dias desde o desastre, na questão ambiental “muito pouco foi feito pelas empresas e pela Fundação Renova para recuperação dos danos ambientais”, disse o  procurador da República no Espírito Santo e integrante da Força de Trabalho Rio Doce, Paulo Henrique Trazzi. 

“A Fundação Renova acha que se espera uma resiliência da natureza. Tem um fator, que é um discurso muito propagado por eles nas mídias, elevado investimento em propagandas e divulgação, onde mostra que a água do Rio Doce está em níveis do pré-desastre. A comparação é impossível, porque a Renova não tem dados sobre contaminação antes do desastre”, pontuou Trazzi, explicando que o processo por materiais pesados no rio acontece de forma distinta em razão dos períodos de baixa e cheia. 

A quilometragem do rio Doce contaminada pode chegar a 800 km, fora o litoral e o risco do lençol freático capixaba também ter sido atingido.

Consequência dessa contaminação, tanto na fauna como na flora, está no agravamento diário na saúde física e mental dos atingidos pela lama da barragem de Fundão. De acordo com a defensora pública estadual em Minas Gerais, Carolina Morishita, existem comunidades atingidas que ainda dependem do abastecimento de água por meio de caminhões pipas. 

A partir disso, outro problema faz-se presente: o acesso às localidades. Em razão dos períodos chuvosos, a entrada de caminhões pipas nessas regiões tende a ficar mais difícil, já que as estradas, em sua maioria, não são pavimentadas, o que põe em risco a entrada desse bem tão importante, especialmente em tempos de pandemia. 

Tudo isso ainda é mais agravado pela ausência das assessorias técnicas nas regiões atingidas para auxiliar os atingidos no curso do processo, em especial no litoral capixaba, região onde a pesca, sinônimo de sustento e consumo próprio, é arriscada por conta da contaminação por metais pesados. 

Conforme noticiado por ESHOJE em junho de 2020, a contratação das assessorias técnicas, que devem ser realizadas nessas regiões, está atrasada há mais de dois anos, entre todo o processo de seleção e contratação, e um documento colocou em dúvida se litoral do Espírito Santo, de fato, foi atingido pelo desastre.

Íntegra da nota da Fundação Renova

A Fundação Renova é a entidade responsável pela mobilização e execução da reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, trabalho realizado com a colaboração de cerca de 6.000 pessoas e parcerias com dezenas de universidades e instituições em inúmeras frentes de atuação. Até setembro de 2020, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações integradas de recuperação e compensação. Até 31 de agosto de 2020, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 321 mil pessoas. Em agosto, começaram a ser pagas indenizações para os casos de difícil comprovação por meio de uma plataforma on-line que atende categorias informais. 

Mais de 1.600 obras foram executadas ao longo de todo o território atingido. O projeto dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana (MG), envolve a construção de cidades inteiras e ganha forma nas primeiras casas sendo concluídas, nas ruas pavimentadas, bens coletivos em etapa final, vias iluminadas e obras de infraestrutura avançadas. As obras foram adaptadas ao cenário da COVID-19. Cerca de 470 famílias participam ativamente do processo. 

Ações ambientais – A água do rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional em sistemas municipais de abastecimento. É isso que indicam os mais de 3 milhões de dados gerados anualmente pelo maior sistema de monitoramento de cursos d’água do Brasil, criado pela Fundação Renova em 2017 para monitorar o rio Doce. São 92 pontos de monitoramento distribuídos no rio Doce e na zona costeira. 

Além disso, foram recuperados 113 afluentes, pequenos rios que alimentam o alto do rio Doce. Esses afluentes praticamente desapareceram da paisagem após o rompimento da barragem de Fundão e, por isso, tiveram que ser totalmente redesenhados com base em informações de geoprocessamento. 

A Fundação Renova atua de forma integrada para a revitalização ambiental, unindo ações para proteção de nascentes, recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de recarga hídrica. O objetivo do programa é recuperar 40 mil hectares de Mata Atlântica e 5 mil nascentes na bacia do rio Doce. Cerca de 1.500 nascentes estão com o processo de recuperação iniciado. Até o momento, as ações de restauração florestal alcançam 1.355 hectares em Minas Gerais e no Espírito Santo, uma área equivalente a 1.300 campos de futebol. As 1 milhão mudas que são utilizadas no projeto foram produzidas em viveiros localizados na própria região. No total serão investidos R$ 1,2 bilhão no projeto. 

A Fundação também disponibilizou R$ 600 milhões para projetos de saneamento para os 39 municípios impactados. Ao longo da bacia do rio Doce, 80% do esgoto doméstico segue para os rios sem tratamento, e grande parte do resíduo sólido coletado vai para os lixões. Os recursos começaram a ser liberados em abril de 2019. 

Em 2020, a Fundação iniciou um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e prefeituras da Bacia do Rio Doce, para investimentos em infraestrutura, saúde e educação. Esses recursos promoverão a reestruturação de mais de 150 quilômetros de estradas, de cerca de 900 escolas em 39 municípios e do Hospital Regional de Governador Valadares (MG), além de possibilitar a implantação do Distrito Industrial de Rio Doce (MG). 

Novo processo indenizatório 

O novo processo indenizatório, de adesão facultativa, foi implementado a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petic?ões apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e de Naque (MG). O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial.

A Fundação Renova informa que, até o início desta semana, mais de 350 pagamentos haviam sido feitos e mais de 500 termos homologados pela Justiça por meio do novo sistema indenizatório. Até 26 de outubro, mais de 5.000 requerimentos de indenização relativos a Baixo Guandu e Naque foram apresentados ao Portal do Advogado.

O novo sistema entrou em vigor em agosto e abrange diversas categorias profissionais, que, em razão de seu grau de informalidade e dificuldade de comprovação, não conseguiam ser indenizadas: lavadeiras; artesãos; areeiros, carroceiros e extratores minerais; pescadores de subsistência; pescadores informais/artesanais/de fato; cadeia produtiva da pesca; revendedores de pescado informais e ambulantes; associac?ões; agricultores, produtores rurais, ilheiros, meeiros, arrendatários e aquicultores – para consumo próprio; agricultores, produtores rurais, ilheiros – para comercializac?ão informal.

Esse sistema traz definitividade e seguranc?a para o atingido, por contar com o acompanhamento de um advogado e ser homologado pela Justic?a. Além disso, para atender categorias com alto grau de informalidade, a documentac?ão exigida é mais simplificada que a do Programa de Indenizac?ão Mediada.

A operac?ão desse novo sistema contou com a implementac?ão de uma plataforma on-line que atende categorias informais e com difícil comprovac?ão de danos. A plataforma foi denominada Portal do Advogado e está disponível no site da Fundac?ão Renova (www.fundacaorenova.org). O prazo final definido pela Justic?a para acesso à plataforma on-line nos dois municípios é 31 de outubro de 2020.

Até a implementação do novo sistema, quem tinha condic?ões de comprovar o dano já vinha sendo indenizado. Em setembro, o valor destinado pela Fundac?ão Renova em indenizac?ões e auxílios financeiros emergenciais às pessoas diretamente atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão chegou a R$ 2,6 bilhões pagos a mais de 321 mil pessoas. 

Mais informações sobre a reparação executada até aqui podem ser acessadas em: https://www.fundacaorenova.org/cincoanos/