O capixaba Eduardo Dias não só é um “ex-terraplanista confesso”, como ele também tomou a difícil decisão de expor a sua mudança de pensamento online, no seu canal de YouTube, onde chegou a difundir o terraplanismo e agora aparece por lá para combatê-lo. Em entrevista para a BBC Brasil, o músico revela uma ponta de vergonha pelo que chama de “erro grotesco” em sua vida e se autodenomina o “maior inimigo da Terra plana no Brasil”.

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Curioso sobre história e conspirações, há cerca de quatro anos Eduardo se deparou na internet com teorias de que um fato comprovado há séculos de inúmeras formas pela ciência poderia ser mentira: diziam que a Terra seria plana e não um globo. Depois disso, a “conversão” de Eduardo, que completou o ensino médio e está com a matrícula trancada em uma faculdade de música, aconteceu rapidamente.

Eduardo conta ainda que mesmo tendo sido educado em igrejas evangélicas, sempre acreditou na ciência até encontrar o conteúdo terraplanista online: “Fui criado em igrejas evangélicas, aos 16 anos comecei a ser chamado por pastores para tocar (música) e depois comecei a fazer um curso de Teologia. A paixão que eu tinha era pela música, não ligava muito para as doutrinas e pregações. Sempre fui um crente rebelde: gostava de entender e debater assuntos como o dízimo e os assuntos mais polêmicos dentro da igreja”, relata Eduardo, que nasceu e mora em Vila Velha, Espírito Santo.

 

De acordo com uma pesquisa do Instituto Datafolha publicada em julho do ano passado, 90% dos brasileiros consideram que o formato do planeta Terra é redondo; 7% plano; e o restante diz não saber.

O “auge” do terraplanismo do músico capixaba aconteceu em 2016, quando participava de grupos temáticos no WhatsApp, realizava experimentos para refutar a esfericidade do planeta e chegou a produzir vídeos defendendo a conspiração em seu canal no YouTube.

Mas a fase durou pouco, coisa de dois meses. Hoje, no canal Sistemático, Eduardo publica vídeos com chamadas e títulos provocativos como “A Lua detona a Terra plana”“Vamos debater terraplanismo” e “Mais uma vez provaram o globo”.

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Mas o que fez Eduardo mudar de ideia? Bom… Ele mesmo! Foi ao tentar produzir vídeos sobre o assunto para seu canal, aberto inicialmente com a intenção de ter debates entre leigos sobre questões religiosas, que ele percebeu os “furos” do terraplanismo. “Comecei a fazer alguns vídeos sobre a Terra plana, mas não postava. Tentava fazer algum roteiro, criar imagens, e via que não tinha sustentação alguma”. 

Eduardo conta que chegou a postar um vídeo sobre como a linha do horizonte provaria a ausência de curvatura da Terra — mas o material foi apagado em poucas horas, ao ser contestado por um internauta que logo se tornaria amigo e personagem importante em sua “reconversão” à defesa da Terra como um globo.

 

Apesar de já ter recebido mais de 200 e-mails de pessoas relatando terem deixado de ser terraplanistas, algumas com a ajuda de seus vídeos, o capixaba diz que é raro uma pessoa com esse passado se revelar — o que no seu caso, acabou “acontecendo naturalmente”.

“É muito difícil reconhecer um erro tão grotesco com esse. Quando você para para pensar, você ignorou tudo o que você aprendeu”, diz. 

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Eduardo afirma que não se sente culpado ou responsável em parte por propagar as ideias equivocadas que hoje abomina. Mas, como diz em alguns de seus vídeos, “a internet não esquece”. Mesmo nas publicações mais recentes no canal de Eduardo, é comum um ou outro internauta lembrar dos comentários que o youtuber já fez quando era terraplanista — tipo de recordação que ele reconhece incomodar “um pouco”, pois se arrepende de não só ter acreditado nisto como se exposto.

Nesse vasto mundo virtual, Eduardo conta que começou a perceber dois tipos de pessoas entre os terraplanistas: o primeiro é o de pessoas que ele entende como “honestas”: esbarraram no conteúdo terraplanista, acharam que ele fazia sentido e caíram no conto de outros que acabam faturando com a teoria da conspiração. E, eventualmente, estão abertas a reconhecer que erraram.

– ‘Soco nos terraplanistas’: Globo prova que Terra é redonda e internet celebra

Já pessoas do segundo grupo nem mesmo acreditam de verdade na Terra plana mas fazem disto uma fonte de renda, segundo ele — monetizando vídeos e outros tipos de conteúdo em plataformas como YouTube e Patreon. E, diferentemente do primeiro grupo, são pessoas que se mostram irredutíveis diante de provas de que a Terra é um globo.

Hoje Eduardo usa sua câmera para mostrar diversas evidências de que a terra, de fato, não é plana. Por exemplo, filmando embarcações “desaparecendo” atrás da linha do horizonte, uma das evidências mais acessíveis da esfericidade da Terra.

Tarefas assim fazem parte da nova rotina de Eduardo e de outras pessoas que se reúnem principalmente no Whatsapp para combater terraplanistas, em grupos que incluem entusiastas amadores e profissionais da astronomia, da engenharia, geografia, entre outros.