Professores e estudantes de arquitetura e engenharia estão buscando na tecnologia recursos para oferecer habitações mais baratas a populações em situação de vulnerabilidade. Segundo um levantamento recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 5 milhões de domicílios estão em aglomerados subnormais no Brasil, termo técnico que inclui as favelas.

 

 

 

São moradias cuja população vive em condições socioeconômicas precárias, incluindo dificuldades no acesso a saneamento básico, iluminação e serviços públicos.

 

 

 

 

No Espírito Santo, o estado em segundo lugar no ranking de domicílios subnormais, com 26% das habitações nessas condições, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desenvolveram um modelo de moradia replicável e de baixo custo, baseado no sistema da plataforma Wikihouse, em que a fonte dos projetos fica disponível na internet.

 

 

 

 

A iniciativa tomou forma após uma parceria com o Coletivo Beco e o Núcleo BR Cidades do estado, a fim de ajudar um morador de 60 anos, do bairro Consolação, em Vitória. Seu Manoel, como é conhecido o idoso, vivia em um barraco de 9 metros quadrados, construído com restos de madeira. Cheia de frestas, infiltrações no telhado e sem janelas — nem banheiro ou energia elétrica — a unidade chegou a ser interditada pela Defesa Civil em junho.

 

 

 

 

"O coletivo e o núcleo nos procuraram para saber como melhorar a moradia dele. Mas no estado em que está, não é possível melhorar, temos que partir para um processo de reconstrução. Porém, o local da casa, um morro, é de difícil acesso", comenta o professor Augusto Alvarenga, do departamento de Arquitetura e Urbanismo na UFES e responsável pelo projeto de extensão, que envolve alunos e egressos do departamento.

 

 

 

Alvarenga observa que os materiais usados no protótipo serão bem mais leves do que o convencional. Esse é um fator importante já que, para chegar à área onde Seu Manoel vivia, é preciso subir uma escada de cerca de 100 degraus.

 

 

 

Da terra da rainha para o Espírito Santo

 

 

 

Conforme Alvarenga, os componentes da Wikihouse são de madeira, pequenos e podem ser gerados a partir de uma máquina de corte CNC. A produção será feita de acordo com desenhos produzidos em computador. Ao todo, serão 40 metros quadrados de construção, incluindo sanitário próprio. Como todas as peças são encaixadas, não é necessário usar parafusos ou equipamentos mecânicos na obra. O projeto também conta com pórticos estruturais para estabilidade global da construção e resistência mecânica. "Orginalmente, é um projeto de arquitetos ingleses, que usavam painéis compensados. Aqui, estamos usando painéis prensados com fibras de madeira e resina, mais resistentes à umidade e intempéries", acrescenta o professor.

 

 

 

A cobertura e o revestimento da fachada serão feitos com telhas produzidas com embalagens TetraPak reciclada, compostas por plástico e alumínio, para garantir conforto térmico no interior da casa.

 

 

 

Para tirar o projeto do papel, cerca de R$ 26 mil foram arrecadados por meio de um financiamento coletivo. Devido à pandemia, no entanto, o preço dos materiais ultrapassou o orçamento inicial. São necessários cerca de R$ 40 mil para levantar a moradia. Para driblar esse custo, os participantes da iniciativa buscaram doações de materiais junto a empresas.

 

 

 

 

Uma delas chegou a vender os painéis de madeira a preço de custo. "Quando foi feito o cálculo inicial, a construção era metade do preço de alvenaria, mas depois subiu devido à conjuntura econômica", pontua Clara Luiza Miranda, professora da UFES e membro do Núcleo BR Cidades do Espírito Santo.

 

 

 

 

Ela assinala que a ideia é avançar na pesquisa para que soluções como essa possam ser levadas a outros pontos de habitação subnormal e de difícil acesso em Vitória.

 

 

"Já vi obras que são de chorar. Os operários sobem de três em três tijolos. A questão do peso também gera um custo extra", reforça.

 

 

 

A construção da casa projetada deve levar em torno de 15 dias. A montagem no terreno ocorrerá em janeiro.

 

 

Impressão 3D

 

 

Em Brasília, a estudante de Engenharia Elétrica do UniCeub Juliana Martinelli, 28, apostou na impressão 3D para baratear o custo de moradias populares. O projeto, inclusive, levou Juliana a ser indicada para integrar a Comissão da Juventude do BRICS, o bloco de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

 

 

 

A ideia da casa impressa em 3D surgiu ainda em 2015, quando a estudante conheceu um pouco mais sobre as dificuldades de reconstrução do Haiti após o terremoto que devastou o país. Na época, Juliana também havia lido sobre o trabalho de uma empresa chinesa, que atuava com construções deste tipo, em 2014. A tecnologia era usada para atender regiões afetadas por desastres naturais.

 

 

"Meu pai estava em uma missão de paz no Haiti, com a ONU, e nos mostrou a realidade do país. A ideia era tentar levar isso para lá, mas acabou não dando certo. Depois, em 2015, um mentor de um evento de startup perguntou: Por que você não desenvolve isso nacionalmente e aplica no Brasil?", recorda a jovem.

 

 

 

Foram cinco anos trabalhando no projeto até conseguir, em 2020, erguer a primeira habitação, na região metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte. A construção ocorreu por meio de uma parceria entre o Projeto 3D Home Construction, sediado no estado, e a startup fundada por Juliana, a Inova House 3D, de Brasília.

 

 

"A escolha do local foi muito relacionada à viabilidade econômica. Na região metropolitana de Natal, conseguimos baratear a questão do terreno", comenta a estudante.

 

 

 

 

Ela explica que a moradia impressa tem uma área de 66 metros quadrados. A maior diferença em relação a construções de alvenaria está nas paredes. Na casa projetada por Juliana, essa parte fica pronta em apenas 48 horas, a um custo de R$ 30 o metro quadrado. O material usado é parecido com uma argamassa e é preparado no terreno onde a casa será feita.

 

 

 

"Uma mangueira de bombeamento desse material é conectada à nossa máquina, que vai desenhando a casa toda, inteiriça no terreno, até o pé direito. A casa é construída de uma vez só. Não usamos placas de concreto", destaca. Todas as outras etapas da obra, como fundação, instalações elétrica e hidráulica e acabamento, saem por um custo semelhante ao praticado no mercado.

 

 

Vantagens

 

 

 

A empreendedora calcula que, se comparada a processos convencionais, com tijolos, por exemplo, a construção das paredes fica 20% mais barata. A startup ainda está avaliando a redução de custo em relação à construção de paredes de concreto.

 

 

 

"Se compararmos só a concretagem, fica um pouco injusto porque isso envolve outras etapas, como montagem e desmontagem de formas de concreto", observa Juliana. Ainda assim, ela reforça que a inovação em seu projeto está mais na metodologia construtiva do que no material.

 

 

 

 

A impressão 3D garante mais velocidade, redução de custo e otimização de mão de obra, além de gerar menos resíduos.

 

 

"Também ganhamos mais liberdade geométrica. Conseguimos trabalhar com plantas diferenciadas e a forma de concreto, por exemplo, só é viável economicamente se forem construídas várias casas iguais. Com a impressão 3D, podemos construir em sequência casas completamente diferentes, sem perder a viabilidade econômica", pontua.

 

 

 

 

A segunda casa impressa da InovaHouse3D deve ser construída em 2021 em Brasília, desta vez em parceria com uma empresa de engenharia. Essa construção e o processo de industrialização da máquina de impressão 3D serão possíveis graças à aprovação em um edital da Finep, empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), no valor de R$ 1,1 milhão. Além disso, a startup fechou contrato com a Cruz Vermelha para erguer, também em 2021, até 20 unidades no nordeste.