Márcio Antônio Souza Júnior, médico que publicou na internet vídeo mostrando um funcionário negro com pés e pulsos amarrados por grilhões presos a uma corrente e uma gargalheira no pescoço, é alvo de uma ação civil pública (ACP) para reparação de danos morais coletivos à população negra. O caso, que ocorreu em fevereiro deste ano, causou revolta nas redes sociais e chocou a população local. Enquanto filma um homem acorrentado, Márcio ironiza a escravidão.

 

A peça foi protocolada na quinta-feira (1º/12) pelo Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Federal de Goiás (NPJ UFG Campus Goiás), em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Goiás.

 

Como forma de reparar os danos morais cometidos, os autores pedem que o empregador financie a construção de um Memorial do Povo Negro, na Cidade de Goiás, local onde ocorreram os fatos. Além disso, o homem deve custear formação profissional para a população negra da cidade, com disponibilização de cursos e bolsas de estudo, que serão administrados pelo Memorial do Povo Negro. Também é requerido o bloqueio imediato de todos os bens do empregador para promover a reparação por danos morais. A causa tem o valor de R$ 2 milhões.

 

A ação tem como autores o Movimento Negro Unificado (MNU), o Centro de Referência Negra Lélia Gonzales, Grupo Mulheres Negras Dandara no Cerrado; Instituto Braços – Centro de Defesa de Direitos Humanos em Sergipe; Associação Anunciando a Consciência Negra com Meninos de Angola e a Associação Quilombola Alto Santana, que atuam com a Assessoria Jurídica do NPJ/UFG-Campus Goiás, e do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás.

 

No vídeo, gravado em uma fazenda localizada na zona rural da cidade de Goiás, o homem era apresentado como uma pessoa escravizada acorrentada em uma senzala.

 

De acordo com o Coordenador do NPJ/UFG – Campus Goiás, Humberto Góes, a ação é protagonizada pelos movimentos e organizações sociais de luta por direitos do povo negro. “Os Movimentos Sociais são os protagonistas dessa ação. E a responsabilização pelos danos morais coletivos é fundamental para que a gente comece a dar efetivamente um basta no racismo no Brasil”, explica.

 

Para o professor, “o racismo é uma chaga aberta na sociedade brasileira. Povoa multifacetado a convivência cotidiana e, em forma de ‘humor’, o que parece ‘dócil’, ‘despretensioso’ e ‘sem violência’ se revela mais cruel. Na subliminaridade da expressão lúdica, ganha alcance e adesão das novas gerações e ‘naturaliza’ hierarquias baseadas na cor da pele”.

 

Entenda o caso


O médico que revoltou a população da Cidade de Goiás, antiga capital do estado, ao publicar o vídeo de um trabalhador acorrentado no Instagram e ironizar a escravidão, pediu desculpas em uma sequência de vídeos. Márcio Antônio Souza Júnior, conhecido como Doutor Marcim, disse que tudo “foi uma encenação teatral” e “uma zoeira”

 

Em uma das imagens, o homem aparece ao lado do funcionário que surgiu no primeiro vídeo acorrentado pelos pés, mãos e pescoço, como se fosse um escravo. O médico alega que eles decidiram em conjunto fazer a filmagem, que virou caso de polícia e na qual ele diz: “Aí, ó, falei para ele estudar, mas ele não quer. Então, vai ficar na minha senzala”.

 

Na explicação publicada em seu perfil no Instagram, Márcio Antônio argumenta que não teve a intenção de magoar, irritar ou fazer apologia à escravidão. As imagens, no entanto, consideradas de profundo mau gosto pela Polícia Civil de Goiás (PCGO) e repudiadas pela prefeitura local, geraram enorme repercussão.

 

“Olá, em relação à peça fictícia que eu e meu amigo fizemos, gostaria de deixar bem claro que a gente fez o roteiro juntos, a quatro mãos. Foi como se fosse um filme. Foi uma zoeira. Não teve intenção nenhuma de magoar, de irritar ou nenhuma apologia a nada. Gostaria de deixar bem claro: ele é meu amigo e gostaria de pedir desculpas, se alguém se sentiu ofendido. Mas foi uma encenação teatral. Desculpe”, diz o médico no vídeo explicativo.

 

Veja:

O trabalhador, que informou à polícia em interrogatório que trabalha há três meses para o médico, também se pronuncia no vídeo: “Ele é como [se fosse] meu pai. Não tem como nem falar nada, sem palavras. Ele que me ajuda em tudo”.

 

O homem, cujo nome não foi divulgado, apenas o apelido, Camarão, esteve na delegacia na tarde dessa quarta-feira, ao lado de um defensor público. Na ocasião, ele adiantou ao delegado Gustavo Cabral a versão de que tudo teria sido uma brincadeira.

 

Na sequência do vídeo explicativo, o médico orienta a fala do trabalhador: “Lá quem colocou as peças…”. E o homem completa: “Quem colocou as correntes fui eu. Foi uma brincadeira. Não foi para magoar ninguém e muitas desculpas para todo mundo”

 

Indiciamento


O inquérito iniciado na delegacia local foi remetido ao Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), em Goiânia.

 

De acordo com o delegado responsável pela investigação do caso, Joaquim Adorno, a conduta foi de “racismo recreativo”. Segundo ele, o indiciado responde em liberdade e não cabe prisão no momento.