A Corte de Apelação de Turim absolveu nesta quinta-feira (7) um homem de 20 anos pelo crime de violência sexual porque a vítima deixou a porta do banheiro de um bar entreaberta e isso "foi um convite à ousadia". "O fato não consiste em crime por falta de elemento significativo", diz ainda a sentença.

A decisão chocante em segunda instância reverteu a condenação inicial de dois anos, dois meses e 20 dias de prisão determinada pelo primeiro tribunal e agora o caso vai parar na Corte de Cassação, última instância da justiça italiana.

A jovem denunciou o estupro em maio de 2019. No depoimento, contou que ela e o homem se conheciam e chegaram a ter "trocado beijos", mas sem manter nenhuma relação.

Em 7 de maio, se encontraram em um bar do centro histórico e "exageramos na bebida". Quando ela foi para o banheiro, um local com o chamado banho turco, o abuso sexual ocorreu. O homem, em seu depoimento, disse que parou o ato assim que ela disse para parar e que chegou a ajudá-la a se "recompor" e ficou com ela até que seus tios a buscaram no local.

Na sentença, os três juízes (uma mulher e dois homens) afirmam que "não há certezas" sobre o relato da jovem e que não é possível falar de agressão sexual porque a jovem chegou a "manifestar interesse" pelo homem pouco antes do ocorrido. Além disso, afirmam que o zíper da calça da mulher, usado como prova do abuso, arrebentou porque o material era de "baixa qualidade".

Os magistrados ainda afirmaram que a mulher teve um "comportamento inadequado" e "não é possível dizer que ela não deu esperanças ao rapaz", produzindo depois uma "situação que não soube gerir porque estava um pouco bêbada e entrou em pânico". Além disso, ressaltam que o homem "não a abandonou à sorte" e a "apoiou" por talvez ter "consciência que não fez nada de errado".

Após a sentença, políticos italianos se revoltaram.

A presidente do Comitê Permanente da Câmara dos Deputados sobre Direitos Humanos, a deputada do Partido Democrático, de centro-esquerda, Laura Boldrini, usou suas redes sociais para protestar e chamar de "vergonhosa" a decisão judicial.

Lembrando que a jovem relatou ter dito claramente que "não queria" ter relações sexuais, "os juízes rejeitaram o veredito porque a vítima estava 'alterada pelo álcool' e o zíper da calça da jovem, rasgado após o abuso, tinha 'qualidade baixa'".

"Uma decisão vergonhosa, que joga a culpa do estupro para a vítima e manda absolver o estuprador. Um concentrado de sexismo e misoginia. É hora de parar de justificar os culpados e dar apoio para quem sofre a violência", afirmou Boldrini.

A deputada ainda lembrou que há um projeto de lei no Senado, apresentado por Valeria Valente, que fala sobre consentimento e que, como ocorreu na Espanha, considera "apenas que o sim é sim".

Valente também se manifestou após a "grave" decisão de Turim e ressaltou que, como acontece em outros casos de denúncia sexual, "o problema é sempre o mesmo: é a vítima que tem que provar que foi violentada". "E no processo é sempre a palavra de um homem que importa mais contra a da mulher que, mesmo denunciando, não é levada a sério. É preciso mudar e fazer com que ele prove que a vítima deu o consenso", acrescentou.

A deputada do partido de extrema-direita Liga, Laura Ravetto, responsável pelo departamento de Oportunidades Iguais da sigla, também se manifestou sobre a "aberração" cometida no tribunal.

"Um juiz de Turim, rejeitando uma sentença em primeira instância, absolveu um homem sob acusação de violência sexual com motivações fora do nosso tempo e que trazem, para dizer o mínimo, muita irritação. Isso é uma aberração. Chegou o momento de pensar seriamente sobre uma formação específica de violência de gênero para juízes para evitar decisões similares no futuro", disse.

Já a coordenadora nacional das comissões de Igualdade de Oportunidades das regiões e províncias autônomas, Roberta Mori, destacou que as justificativas usadas pelos juízes são "inaceitáveis e por mais de um motivo".

"Primeiro de tudo porque não faz nada além de reforçar estereótipos de gênero e sexismo, ainda muito difundido no país, culpando a mulher ao invés de protegê-la quando encontra a coragem de denunciar e produzindo ainda uma nova vitimização. Segundo porque ainda falta uma formação adequada para os operadores de uma cultura respeitosa da subjetividade feminina que proteja a mulher vítima da violência", pontuou.

Mori ainda pediu que a Comissão Parlamentar de Investigação sobre Feminicídios que intervenha no caso.