Um jovem transexual de 18 anos, que cumpre medida socioeducativa em Cariacica, na Grande Vitória, ganhou um “binder”, uma faixa de compressão usada por homens transexuais – que se identificam com um gênero diferente do que foi atribuído no nascimento – para ocultar os seios.

O presente foi um pedido do próprio jovem à coordenadora de Ações e Projetos do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabara.

A entrega aconteceu na tarde desta segunda-feira (21) na Unidade Feminina de Internação (UFI), ligada ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), onde ele cumpre a medida.

“A Gold já tem uma parceria com o Iases, em que fazemos projetos sociais e debatemos o respeito às pessoas trans na socioeducação. Durante uma visita a uma menina travesti, conheci esse menino trans, que falou sobre incômodos sobre o próprio corpo. Conversei com ele sobre o binder e ele gostou muito, pediu ajuda para fazer a transição”, disse Deborah.

Fazer a transição de gênero dentro do sistema socioeducacional do Espírito Santo é um direito conquistado pela população LGBTQIA+. O respeito ao nome social, o uso de roupas e do corte de cabelo conforme o gênero que a pessoa se identifica, e a possibilidade de transição hormonal são garantidos pela instrução de serviço nº 0230, de 26 de maio de 2020.

 

De acordo com Deborah, cuidar da aparência, como determina a legislação, é um dos processos mais importantes pelos quais as pessoas transexuais passam durante a transição de gênero. Por isso, o uso do binder, que ressignifica o corpo do homem trans, é importante para este adolescente.

“Ele é muito tímido. Expressou uma felicidade tímida, típica de adolescente. Ele agradeceu muito porque havia pedido”, contou a subgerente de saúde do Iases, Graziele Rodrigues Duda.

“Estamos fazendo o percurso do atendimento clínico, para que ele tenha atendimento especializado e que a gente encaminhe a transição hormonal, junto com ele”, explicou.

 

Saúde mental

 

A coordenadora da Gold explicou que o respeito ao gênero ajuda a manter a saúde mental das pessoas transexuais e travestis, o que é um fator importante em um momento em que adolescentes e jovens cumprem medidas de socioeducação, estudando ou aprendendo uma nova profissão.

“Trazer o binder trabalha a saúde mental desse adolescente. Quem está privado de liberdade precisa ter condições de cuidar da saúde mental”, considerou. “Uma pessoa trans que não teve acesso à educação e comete infração, se não aprender nada lá dentro quando vai cumprir a medida, pode correr o risco de cometer a mesma infração porque não recebeu essa educação”, contou.

Para a diretora socioeducativa do Iases, Fabiana Malheiros, essa afirmação da sexualidade e o reconhecimento do gênero desse adolescente possibilita que o trabalho de socioeducação seja bem-sucedido.

“É importante inclusive pelo desempenho dele ao longo da medida socioeducativa, onde também trabalhamos com profissionalização, escolarização, cultura. Adolescente que vai bem com a saúde mental, também responde bem a esses estímulos de voltar a estudar, de conseguir uma profissão”, disse.

 

Unidade Feminina

 

De acordo com a diretora, o rapaz cumpre a medida em uma unidade feminina para preservar a integridade dele. Ele é o único homem trans naquela unidade, onde também cumpre medida uma jovem travesti e outras seis adolescentes cisgênero – que se identificam com o gênero atribuído no nascimento.

 

“Entendemos que a mulher trans costuma ficar na unidade feminina porque além de ter a identidade preservada, fica mais protegida ali. E o rapaz trans fica na unidade feminina, também, porque precisa ter sua integridade e dignidade protegidas, e essa unidade tem expertise na lógica de atendimento desses adolescentes”, contou.

 

Aceitação

 

Para explicar a forma como a pessoa transexual se sente, sobretudo quando encontra preconceitos na sociedade, Deborah usou uma expressão muito comum no cenário atual de pandemia: isolamento social.

“A pessoa trans já vive um isolamento social, de não ter o acesso familiar, à utilização dos sistemas de saúde e assistência, e principalmente o educacional que é tão importante. Então, também já tem dificuldade de conseguir emprego. A gente precisa incluir qualquer curso para dentro do sistema socioeducativo e educacional, para que lá dentro possam se qualificar e disputar com qualquer pessoa aqui fora”, explicou.

Deborah apontou que muitas pessoas trans são discriminadas pela própria família. Os familiares que não entendem esse processo, mas que querem entender e precisam de ajuda, podem procurar a Associação Gold.

“As famílias precisam entender e buscar apoio para essa transição também. Na Gold, as famílias podem buscar apoio para entender. Eu acredito que, quando você não respeita a transição, você abre a porta para que seu filho ou filha entre em caminhos perigosos, porque eles vão buscar algo para minimizar o sofrimento. É importante que mães e pais busquem saber por quê acontece a transição. E isso faz com que as famílias apoiem”.