Dois pesos e duas medidas criam figura dos corruptos de estimação, retirando autoridade das instituições capixabas, que agem ao gosto do freguês.
Ou seja, na análise em tela, salva-se a licitação direcionada do Detran-ES de R$ 140 milhões para sustentar o esquema de propina e evitar a prisão do secretário de Estado Tyago Hoffmann e outros.
Por outro lado, abandona-se o juiz gângster Alexandre Farina à própria sorte, com o qual essas cúpulas nutriam convivência mais do que íntima.
Para que não se sentisse tão jogado aos leões, colocaram o advogado Rafael Lima em sua defesa, para inglês ver. Com escritório situado em casa na Enseada do Suá, Lima oferecia lobby no governo em nome de Hoffmann para acelerar pagamentos e outras soluções. Em troca...
Tyago Hoffmann teve informação privilegiada da queda do juiz e confidenciou a interlocutores que Farina iria para o "saco", com passagem só de ida, como de fato foi.
A Procuradora Geral, Luciana Andrade, salvadora da licitação de Hoffmann no Detran, não salvou o juiz. Escolheu quem seria o corrupto de estimação..
Assim, se por um lado prestou inacreditável serviço ao governo ao enterrar o Caso do Pen Drive para ninguém ser preso, por outro decidiu que Farina não merecia esse desgaste e zelo.
Afinal, o Governo Renato (PSB) Casagrande tem produto: vai indicar Éder Pontes para a vaga de Desembargador no Tribunal e reconduzir Luciana Andrade ao cargo de Chefe do MPES... essa cúpula só pensa "naquilo".
Alexandre Farina, por sua vez, não tem valor algum a essa altura que valha o esforço. Exceto quando ele lembra que sabe demais, aí começa a confusão nos bastidores, apesar da maioria apostar que ele não tem colhões de enfrentar o sistema.
A cúpula do Governo fingiu solidariedade ao juiz para, na verdade, administrá-lo de perto, fazendo com que seja esquecida caso ele opte pelo caminho da delação. Ter um advogado perto do magistrado serve para direcionar sua fúria em direção a outros alvos, sobretudo ao Judiciário.
Isso explica o bate cabeça recente no Tribunal de Justiça, com alguns desembargadores ensaiando defesa velada do magistrado preso. Querem também ser esquecidos, ofertando eventual solidariedade travestida de tese de Direito favorável ao juiz.
Robson Albanez e William Silva só faltaram canonizar Farina na última quinta feira, forçando sua condição de vítima de abusos na investigação. Cuspiram nulidades sobre sua prisão e a legalidade da denúncia.
Albanez foi alvo de denúncia da PGR na Operação Naufrágio por corrupção, com ordem de busca a apreensão da Ministra do STJ, Laurita Vaz, em sua residência e gabinete. Ele também está envolvido até o talo na corrupção dos casos da Viação Itapemirim, havendo informações de que será alvo de nova operação deflagrada por Brasília.
A citada dupla de desembargadores também não surpreende pelo cretinismo e oportunismo: já defendeu até cafetinagem de promotor de justiça investigado, chamando de mimos a exploração de sexual de mulheres por parte do mesmo para "presentear" autoridades em Colatina. Isso levou à fúria da Desembargadora, Eliana Munhoz, à época relatora do caso.
Compreensível, embora abominável, esse oportunismo da dupla de desembargadores: eles e outros enxergam claramente que a Procuradora Geral do MPES, Luciana de Andrade, transige e age por conveniência, escolhendo onde vale a pena sujar a mão.
Isso retira sua autoridade de Estado e dá espaço para discursos inflamados como esse dos desembargadores na última quinta feira, em favor não de Farina, mas de si próprios, pelo risco que ele representa.
O fato é que Alexandre Farina sabe demais. Isso ninguém nega. Sabe dos negócios e modus operandi das duas cúpulas. Ele não só participou de vários, mas foi um observador privilegiado dessas negociatas, inclusive no âmbito do Poder Judiciário.
No arranjo de poder do governo Casagrande, o juiz afastado encontrou agentes com desvios de personalidade e de caráter muito semelhantes aos seus. Esse contexto turbinou os negócios com esses novos atores, gerando exposições e confidências recíprocas.
A caixa preta de segredos do magistrado aumentou sobremaneira nesse cenário.
Alexandre Farina era visto com frequência com Éder Pontes, Tyago Hoffmann, promotores, deputados e outras autoridades almoçando toda sexta em famosa churrascaria na Enseada do Suá. À noite, era figura carimbada bebendo em restaurantes de luxo na praia do canto com essa mesma turma.
Na relação custo benefício, o juiz Farina não vale o esforço do caso Pen Drive. Não merece mais ser um corrupto de estimação. A Procuradora Geral do MPES, empurrada pela gravidade dos fatos e liberdade de imprensa, já pregou o magistrado na cruz.
Mesmo que o juiz queira abrir o bico, a cúpula do Governo e do MP Estadual sabe que eventual delação premiada passaria pela Procuradora Geral Luciana de Andrade. Ela tem que autorizar e o Tribunal homologar, cabendo aí empecilhos e manipulações para que o magistrado faça cálculos de contexto e não envolva poderosos de ocasião.
Salvo se Farina envolver gente com foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), situação em que a Procuradoria Geral da República (PGR) conduziria a delação... mas isso é só uma hipótese, pelo menos por enquanto...
Se o magistrado vai aguentar pagar sozinho o preço de não mais ser um corrupto de estimação do sistema de poder montado pelas cúpulas do MP e do Governo, só o tempo dirá. Fato é que no banquete do crime, ele viu muita gente na mesa e pode decidir mostrar, em troca de algum benefício da lei de delações, que todos são "Farina" do mesmo saco.