Presidente indicou general da reserva para assumir a estatal depois de demonstrar irritação com a alta dos preços dos combustíveis.

 

 

 

O que Bolsonaro fez?

 

 

O presidente Jair Bolsonaro anunciou na sexta-feira (19) a indicação do general da reserva Joaquim Silva e Luna, atual diretor da Itaipu Binacional, como novo presidente da Petrobras, para substituir Roberto Castello Branco, indicado por Bolsonaro após as eleições de 2018.

Na quinta-feira, ele já havia indicado que poderia intervir na estatal para controlar a alta de preços dos combustíveis.

 

 

Por que ele decidiu pela troca?

 

 

O anúncio aconteceu um dia após Jair Bolsonaro fazer críticas à gestão da Petrobras e às sucessivas altas no preço dos combustíveis. Segundo ele, o último reajuste foi "fora da curva".

Segundo nota atribuída ao Ministério de Minas e Energia, o governo decidiu indicar Luna e Silva "para cumprir uma nova missão, como conselheiro de administração e presidente da Petrobras, após o encerramento do ciclo, superior a dois anos, do atual presidente, senhor Roberto Castello Branco".

 

 

 

A disparada no preço dos combustíveis preocupa o Palácio do Planalto. Gasolina e diesel caros são considerados, politicamente, ruins para a popularidade do governo. Além disso, preços altos podem significar um entrave para setores que dependem de transporte – ainda mais, em um momento em que a economia sofre para retomar o crescimento em meio à pandemia.

 

 

 

De quanto foi a alta dos combustíveis?

 

 

Até a última quinta-feira (18/2), o litro da gasolina nas refinarias acumulou alta de 34,78% desde o início do ano. Já o diesel subiu 27,72% no mesmo período.

Nos postos, a gasolina está 5,8% mais cara desde a primeira semana do ano, vendida a R$ 4,833 na média, segundo pesquisa semanal da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Já o diesel era vendido a um preço médio de R$ 3,875 o litro nas bombas.

 

 

 

Como os analistas e mercados reagiram?

 

 

A decisão de Bolsonaro repercutiu negativamente entre economistas, políticos e até ex-integrantes do governo. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização do Ministério da Economia, considerou a decisão "lastimável". Para ele, Castello Branco "tirou a empresa literalmente do fundo do poço após o maior escândalo de corrupção do planeta. Em seu lugar será nomeado mais um militar."

Para Paulo Uebel, ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, "nunca o governo Bolsonaro foi tão parecido com o Governo Dilma como hoje".

 

 

 

Luiz Octavio da Motta Veiga, ex-presidente da Petrobras, lembrou que os ex-presidentes Collor e Dilma tentaram segurar o preço para controlar a inflação, e que o governo atual faz isso por "populismo".

Para Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, se o preço do petróleo e taxa de câmbio não forem repassados, a Petrobras terá prejuízo como foi no governo Dilma. "Está se iniciando uma nova era Dilma na história da Petrobras".

 

 

 

 

Por que a intervenção é mal vista?

 

 

 

 

Uma intervenção externa coloca em xeque os rumos da companhia. A credibilidade da empresa é colocada em dúvida, tendo em vista que os investidores passam a não ter segurança sobre os rumos dos negócios, que podem sofrer outras mudanças que não estejam previstas em seu plano de gestão.

 

 

 

Para o presidente da Associação de Investidores Minoritários (Amec), a intervenção eleva os riscos de apostar na empresa.

 

 

 

“Se você é um investidor, e às vezes um investidor fora do Brasil querendo investir aqui, você vai se perguntar duas vezes se vale realmente a pena correr esses riscos - risco da interferência externa, risco de você ter queda no valor da companhia, sem efetivamente poder exercer sua influência como um acionista da empresa”, disse.

 

 

 

O que acontece com as ações da Petrobras? Por que estão caindo?

 

 

 

As ações da Petrobras entraram em queda livre nesta segunda-feira porque os investidores são avessos a intervenções políticas na gestão da empresa.

No episódio mais recente, o governo Dilma Rousseff usava o caixa da estatal para subsidiar o preço de combustíveis e, assim, controlar a alta da inflação. Como os preços descolam do mercado internacional, a empresa passa a tomar prejuízos. Além disso, a alta cúpula estava sob suspeita enquanto avançavam as investigações da Operação Lava Jato, que descobriu esquema de corrupção em troca de contratos com a estatal.

 

 

 

A gestão de Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras indicado pelo ex-presidente Michel Temer, corrigiu os rumos da empresa. Além de gestores com a confiança do mercado, uma nova política de preços foi adotada, acompanhando o preço do petróleo e o câmbio.

 

 

 

Roberto Castello Branco era visto pelo mercado financeiro como capacitado para o cargo e uma continuidade do rumo adequado na empresa.

O temor, agora, com a nova intervenção de Jair Bolsonaro, é de que a empresa volte à época de perdas por conta dos subsídios e tenha uma gestão menos habilidosa ao trocar um economista por um general. Analistas, inclusive, falam em "déjà vu".

 

 

 

Por que a intervenção derruba as ações das demais estatais?

 

 

 

A interferência na Petrobras lança uma sombra sobre a gestão de todas as outras estatais porque não se sabe a que momento algo semelhante pode acontecer com elas.

 

 

 

Como Bolsonaro se elegeu na esteira de uma agenda liberal, de que não interferiria no bom funcionamento das empresas e daria liberdade para o trabalho de uma gestão técnica, criou-se expectativa de que as estatais poderiam estabelecer suas políticas de preço e gestão com tranquilidade.

Em janeiro, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, entrou na mira de Bolsonaro após o Banco do Brasil anunciar o fechamento de agências e um programa de demissão voluntária dentro de um programa já previsto de reestruturação administrativa. Como a demissão não foi concretizada, os ânimos se acalmaram.

 

 

 

Agora, com o ato consumado na Petrobras, os temores voltam ao BB, ressurgem na Eletrobras, por conta do recente aumento das tarifas, e assim por diante.

 

 

 

Por que o dólar também sobe?

 

 

 

Dólar e bolsa de valores estão, geralmente, relacionados. O dólar sobe em dias de aversão aos investimentos de risco.

Com o retorno de preocupações com interferências na política de preços da Petrobras e na gestão de estatais, investidores correm para ativos mais seguros, como o dólar.

 

 

 

Além disso, a insegurança e os riscos fiscais do país afetam também a confiança de investidores estrangeiros em relação ao Brasil como um todo e, por consequência, há uma saída de dólares.

 

 

 

Pode haver punição pela troca da presidência sem comunicação prévia?

 

 

 

Toda e qualquer informação que possa interferir no valor das ações de uma empresa que tenha seu capital aberto na bolsa de valores tem, por lei, que ser comunicada, antes, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia, por sua vez, repassa o comunicado.

 

 

 

Segundo a CVM, essa obrigatoriedade tem como objetivo “assegurar o acesso ordenado e equitativo do mercado a tais informações (...) de modo claro e preciso, pelos canais oficiais de comunicação, além de zelar pela sua ampla e imediata disseminação”.

 

 

 

Assim, uma eventual troca no comando de uma empresa que negocia suas ações na bolsa tem que ser comunicada primeiramente à CVM.O descumprimento da lei pode ser punido por meio de uma simples advertência ao até multa, que pode chegar a R$ 50 milhões.

 

 

 

Quem descumpre a lei pode ser punido, ainda, com sanções administrativas, que incluem a proibição de exercer cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta por até 20 anos.

 

 

 

Foi feita alguma representação contra o presidente ou a companhia?

 

 

 

A CVM não revela se alguma representação já chegou à autarquia. A entidade pode ser provocada para investigar a situação ou abrir procedimento por conta própria. Mas só quando o processo for, de fato, aberto, que entra no sistema com todos os detalhes.

Há ainda a possibilidade de que o procedimento corra em sigilo, o que deixaria o processo oculto no portal da CVM. A autarquia diz que todo pedido é analisado individualmente.

 

 

 

O que acontece agora? Quando será a troca e qual o procedimento?

 

 

 

Para que a substituição seja concretizada, a indicação do general da reserva Joaquim Silva e Luna precisa do aval do Conselho de Administração da Petrobras. O atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco, no entanto, é também membro desse conselho.

 

 

 

Em ofício encaminhado à Petrobras, o Ministério de Minas e Energia pede a convocação de uma assembleia geral extraordinária - uma reunião de todos os acionistas da companhia com direito a voto. Nessa assembleia, o governo espera Castello Branco seja substituído por Silva e Luna. Já os demais conselheiros devem ser reconduzidos ao cargo.

 

 

 

Depois dessa troca, o Conselho de Administração precisa se reunir e aprovar a indicação do general para o comando da estatal. A Petrobras lembra, no entanto, que o mandato de Castello Branco e dos demais diretores executivos vai até 20 de março. Assim, a troca efetiva deve acontecer a partir desta data.

 

 

 

Quem são os conselheiros que terão que aprovar a troca?

 

 

 

O Conselho de Administração da Petrobras tem 11 integrantes. Dois deles são militares da reserva. Sete integrantes são indicados pelo acionista controlador, que é a União; três nomes vêm dos outros acionistas, e o último é escolhido pelos empregados da Petrobras.

Os 11 membros foram eleitos em Assembleia Geral Ordinária em julho para um mandato de até dois anos, admitidas no máximo três reeleições consecutivas.

 

 

 

E o setor elétrico? O que pode acontecer?

 

 

Os temores é de que novas intervenções ocorram nas demais estatais e em agências reguladoras. Um dia depois de anunciar a troca no comando da Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a apoiadores que vai “meter o dedo na energia elétrica”.

Como Bolsonaro indica que a intenção é controlar preços para amenizar a inflação, o setor como um todo pode amargar prejuízos.

 

 

 

Quem é o general Luna e Silva?

 

 

Joaquim Silva e Luna está no comando da hidrelétrica de Itaipu desde janeiro de 2019. General da reserva do Exército, foi o primeiro militar a exercer o cargo de ministro da Defesa, no governo do ex-presidente Michel Temer.

Ele tem pós-graduação em Política, Estratégia e Alta Administração do Exército pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Também é pós-graduado, pela Universidade de Brasília, em Projetos e Análise de Sistemas.

Durante a carreira no Exército, Silva e Luna comandou o 6º Batalhão de Engenharia de Construção (1996-1998), em Boa Vista (RR), e a 16ª Brigada de Infantaria de Selva (2002-2004), em Tefé (AM).