Entidade conservadora fundada em novembro de 2018 na esteira da vitória de Jair Bolsonaro, o MPPS (Ministério Público Pró-Sociedade) pediu que seja decretado Estado de Defesa pelo presidente, e que se analise a possibilidade de intervenção federal nos estados.

A motivação, diz o grupo, é coibir supostos desvios de verbas cometidos por governadores no combate à Covid-19, além de reverter o que consideram a supressão de direitos individuais.

"Tal providência concentraria nas mãos da União a coordenação dos rumos da pandemia, evitando-se os equívocos e desencontros de muitas das medidas adotadas pelas demais unidades da Federação (as quais estão suprimindo direitos individuais indisponíveis), podendo o governo federal se valer até mesmo da ocupação e do uso temporário de bens e serviços públicos de outros entes federativos", diz pedido protocolado na última terça-feira (16).

A peça do MPPS é assinada pelo advogado de Brasília Douglas Ivanowski Bertelli Kirchner, que foi expulso do Ministério Público por questões disciplinares.

A entidade reúne promotores e procuradores conservadores, alinhados ao bolsonarismo. Em seu manifesto de fundação, que teve a assinatura de 128 integrantes do Ministério Público, o grupo se propõe a combater o que veem como viés progressista da corporação.

Defendem pautas alinhadas ao governo Bolsonaro, como Escola Sem Partido, além do aumento do punitivismo penal e do encarceramento como políticas de combate à criminalidade.

O Estado de Defesa é previsto na Constituição em seu artigo 136, "para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".

Como condição prévia, têm de ser consultados o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, dois órgãos de assessoramento do presidente que na prática funcionam de forma esporádica.

O decreto prevê medidas draconianas, como restrições ao direito de reunião e de sigilo de correspondência, além da prisão por "crime contra o Estado".

Embora de caráter autoritário, a medida não é necessariamente salvo conduto para uma ditadura. Tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional com prazo determinado de 30 dias, que podem ser prorrogados por igual período.

A intenção dos autores da Constituição, ao incluir este artigo, foi dar instrumentos mais ágeis ao Executivo em períodos de grande comoção social e desordem. Segundo a petição do MPPS, isso se aplica ao atual momento de pandemia.

"É evidente que o país atravessa uma situação de comoção grave de repercussão nacional, abalando assim a ordem pública e a paz social, estas atingidas por uma calamidade de grande proporção da natureza (coronavírus)", afirma a peça apresentada.

Como exemplo dessa situação, são mencionados o que seriam desvios de recursos públicos liberados pela União a estados para combater a Covid-19. O governo federal, diz o MPPS, teria destinado às unidades da Federação bilhões de reais contra o coronavírus, além de ter deixado de receber pagamentos pelo serviço das dívidas estaduais.

"O resultado final disso, segundo divulgado pela própria imprensa, foi que as unidades da Federação tiveram em média receitas 2,4% superiores em 2020 em relação ao ano de 2019", afirma a petição.

Apesar disso, os governadores teriam desviado esses recursos para outros finais, o que mereceria uma investigação de órgãos como Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e inquérito criminal pela Polícia Federal.

"Por exemplo, o estado de São Paulo recebeu cerca de R$ 8 bilhões em auxílios do governo federal, mas as despesas com saúde cresceram apenas R$ 2 bilhões", diz o MPPS.

A menção a São Paulo não é mero acaso: o governador João Doria (PSDB) tornou-se um dos principais opositores de Bolsonaro. Caso as providências pedidas não sejam suficientes, a petição sugere ainda a possibilidade de a União intervir nos estados.

A peça apresentada recebeu críticas quase imediatas. Em nota, entidades como a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) disseram que o pedido de Estado de Defesa para apurar eventuais irregularidades no contexto da pandemia não se justifica.

"A apuração de qualquer ilícito porventura cometido por agentes públicos durante a pandemia deve ser objeto de regular apuração por quem tenha atribuição constitucional para tanto, não se justificando a adoção de medidas extremas ou de exceção, com severas restrições das liberdades individuais e clara subversão da ordem constitucional", afirmam em nota.

É praticamente nula a possibilidade de Bolsonaro acatar o pedido do MPPS, mesmo a entidade sendo parte de sua base ideológica.

O simples fato de algo assim ter sido pedido, no entanto, mostra como os apoiadores do presidente estão dispostos a usar a Covid-19 contra os governadores no período até a eleição do ano que vem.