O descaso. A vergonha. O desperdício com o dinheiro do contribuinte capixaba

O atual governo de Renato Casagrande (PSB) está chegando ao seu último ano, sem que alguns fatos do governo anterior (2011-2014) sejam explicados. Como exemplo, os aproximadamente R$ 10 milhões de dinheiro público investido para financiar uma mostra internacional com obras falsificadas do artista italiano Amedeo Modigliani. 

Na época, o governo do PSB comemorou a mostra como a inclusão do Espírito Santo no circuito internacional das grandes exposições.  Isso está lá até hoje no site da Secretaria de Estado da Cultura, que na época era comandada pelo controverso Maurício Silva, cuja maior credencial, como se vê hoje na espinha dorsal do governo, era ser filiado ao partido do governador. 

Diz lá o texto oficia, do mês de outubro de 2011l: “O Espírito Santo entrou definitivamente no circuito das grandes mostras internacionais e terá a honra de ser o primeiro Estado do Brasil a receber a exposição inédita "Modigliani: Imagens de uma vida", composta por obras do artista italiano Amedeo Modigliani. A mostra gratuita será aberta ao público na próxima terça-feira (18), a partir das 9 horas, e prossegue no Palácio Anchieta até o dia 18 de dezembro”.

E acrescenta: “A exposição conta com 188 obras e traz 12 pinturas em óleo originais, e cinco esculturas em bronze, além de pinturas de outros artistas de sua época, fotografias, documentos, desenhos, telas de amigos e filmes. Todo o acervo vem do Instituto Modigliani, situado em Roma, e foi montado com uma concepção inédita, que irá traçar o panorama da vida e obra de Modigliani”.

TUDO FALSO Entre as pinturas expostas em Gênova, um nu feminino pelo qual foram pedidos US$ 32 milhõesegenda

Ocorre que um ano, em 19 de dezembro de 2012, os assinantes da Agência Folha divulgavam uma notícia bombástica, que a grande imprensa capixaba, com seu caixa engordado por gordas verbas publicitárias do Governo, fez de conta que não viu. Dizia a notícia:

“Depois de uma investigação que durou mais de dois anos, a polícia italiana decretou hoje a prisão de Christian Parisot, diretor dos Archives Legales Amedeo Modigliani, e de Matteo Vignapiano, ambos acusados de falsificar e vender no mercado obras do artista italiano Amedeo Modigliani.

Parisot organizou a mostra dedicada ao artista que passou este ano pelo Masp, em São Paulo, e ainda por Vitória, Rio de Janeiro e Curitiba. Salvador também recebeu algumas das obras. Na capital baiana, foram 12 pinturas e cinco esculturas originais do artista italiano, além de inúmeras obras de seus amigos, como um desenho de Pablo Picasso (1881-1973)”.


Notem que dois anos antes a polícia italiana já estava investigando a falsificação dessas obras de artes. Ou seja, um ano antes de o Espírito Santo recebe-la com pompas e circunstâncias. A notícia dá mais detalhes das evidências de que tudo o que foi mostrado pelo governo do PSB estava sob suspeita.


“Peça central da mostra, “Grande Figura Nua Deitada - Celine Howard” já teve sua autenticidade questionada quando foi exposta em Bonn, na Alemanha, antes de vir ao Brasil. Segundo peritos, há pigmentos no quadro que não eram usados pelo artista. Parisot e Vignapiano são acusados de falsificar e receptar obras de Modigliani para depois vender no mercado como originais. A dupla, segundo a investigação policial, fraudava certificados de autenticidade das peças.


Na investigação que culminou na prisão domiciliar dos acusados, foram apreendidos na Itália e na Suíça 41 desenhos, 13 obras gráficas, quatro esculturas em bronze e uma pintura a óleo. Segundo a polícia italiana, os contraventores haviam faturado até 6,65 milhões de euros, cerca de R$ 18,4 milhões, com a venda de obras falsificadas”.

 

Em 14 de julho de 2017, a agência Ansa divulgava que “o Palácio Ducale de Gênova, no noroeste da Itália, cancelou nesta sexta-feira (14) uma exposição do artista modernista Amedeo Modigliani (1884-1920) que é investigada por suspeita de ter obras falsas em seu acervo.   
A mostra ficaria em cartaz até o próximo domingo (16), mas a decisão de antecipar seu encerramento em dois dias foi tomada após a Polícia ter ordenado a apreensão de 21 trabalhos que faziam parte da exposição”.


Em agosto também de 2017, a revista Isto É repercutia no Brasil mais detalhes da falcatrua:


“Entre os 100 mil visitantes da exposição de pinturas do italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) no Palazzo Ducale, em Gênova, houve um que se impressionou acima dos demais: o crítico Carlo Pepi, especialista na obra do vanguardista e mestre em identificar falsificações. 
Meses antes da abertura das portas, Pepi havia jogado dúvidas sobre a veracidade de muitas das obras presentes nas galerias da mostra. Finalmente, depois do aprofundamento das acusações por outros pesquisadores de arte e de uma queixa formal à polícia, a exibição foi fechada três dias antes de seu encerramento oficial, em 16 de julho. 


Nada menos que 21 das 50 pinturas e esculturas expostas foram confiscadas pelas autoridades locais, sob a suspeita de fraude. - Às obras falsas falta alma, parecem mortas -, disse Carlo Pepi em entrevista à ISTOÉ. - Elas não emitem emoções, apenas repulsa - afirma o responsável pela revelação da farsa.


Tantos Modiglianis falsos foram parar num mesmo lugar não por coincidência, mas como parte de um esquema para valorizar quadros ilegítimos. É o que afirmou à reportagem, em condição de anonimato, um membro do Comando dos Carabineiros para a Proteção do Patrimônio Cultural (TPC, na sigla original), a “polícia da arte” italiana, que investiga o caso. A quadrilha, composta de pessoal altamente especializado, como curadores e colecionadores, oferecia, a museus, mostras a preço de banana, visando facilitar sua realização.


No caso da de Modigliani, uma exposição que custaria milhões foi realizada por apenas 150 mil euros. O passo seguinte era atrair donos de pinturas verdadeiras. Por fim, bastava pendurar as falsas ao lado das legítimas – o que lhes dava credibilidade (e valor). Ao vender as obras fajutas, o grupo lucrava milhões”.


Essas notícias já invadiam o segundo governo do PSB, que estava começando em 2017, mas ninguém também nem se lembrou que as mesmas obras foram expostas no Estado a preço de alguns milhões tirados do bolso do contribuinte, através de recursos da Sedu e da Secult e de renúnica fiscal em favor do Instituto Sincades, que há um bom tempo vem se envolvendo em negócios suspeitos, mas sempre blindados pelas autoridades públicas, como publicou na época o portal Século Diário. 


Informava o Século Diário em sua edição de 25 de janeiro de 2013, que “nas figuras dos secretários de Estado da Cultura, Maurício Silva, de esenvolvimento, Nery De Rossi, e de Governo Tyago Hoffmann,  armou-se um campo para blindar o Instituto Sincades, que, na tarde dessa quinta-feira (14), deveria elucidar a parceria mantida com a Secretaria de Estado da Cultura (Secult).  
 
A blindagem funcionou muito bem. Instituto e governo saíram do auditório do Sindifer sem sofrer constrangimentos. Presentes à mesa, o presidente do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (Sincades), Idalberto Moro, e o gerente-executivo do Instituto Sincades, Durval Uliana, certamente não esperavam uma reunião tão confortável.
 
A reunião extraordinário do Conselho Estadual de Cultura (CEC) foi solicitada em outubro pelo Fórum Permanente das Entidades Culturais do Espírito Santo. A ideia era pedir pressionar o Instituto Sincades a explicar o funcionamento da entidade quanto à parceria com a Secult. Participaram cerca de 80 pessoas.
 
Amparado no Contrato de Competitividade nº 15, desde 2008 o Sincades patrocina projetos socioculturais capixabas. Mas se desconhece os critérios de escolha dos projetos. Ninguém sabe ainda como é gerido a espécie de “fundo cultural” do Sincades.”

Como se vê, personagens daquela época continuam em evidência no governo atual, como Tyago Hoffman, que hoje é o Secretário de Desenvolvimento do Estado para manipular processos de investidores que vêm para o Estado em sua jornada para chegar à Assembleia Legislativa como deputado. Outro que se vê é Durval Uliana, que era gerente-executivo do Sindicato e, talvez como prêmio, ganhou o posto de Secretário de Estado de Turismo no atual governo. Durou pouco, sabe-se lá porque, e hoje ocupa um cargo de terceiro escalão pelas bandas da Agricultura. 

Na época, o Instituto Sincades admitiu que havia faturado R$ 53 milhões em quatro anos e vertido R$ 27 milhões para a cultura. Quase a metade disso, para a tal mostra do artista italiano – com obras falsas. O Século Diário, porém, demonstrou uma outra realidade:

“Em 2011, o setor atacadista capixaba pagou R$ 1,1 bilhão em ICMS. O fundo do Sincades, pois, é composto por 10% desse montante. Há uma relação entre benefício fiscal e contrapartida cultural, a qual Moro e Uliana tentaram transformar num gesto de abnegação cultural”. 


Na ocasião em que o Conselho Estadual de Cultura (CEC) convocou a reunião de “esclarecimento”. O cineasta Sérgio Medeiros quis entender, conforme relato do Século Diário, a relação entre o Insituto Sincades e a Rede Gazeta, através da Premium, empresa de marketing promocional da Rede Gazeta. Através de patrocínio ou parceria com o Instituto Sincades, a Premium realizou espetáculos como A Bela e a Fera (entre 1º e 4 de outubro de 2009) e O Mágico de Oz (entre 7 e 9 de outubro de 2011). E o Sincades confirmou: “O evento é da Rede”. Está esclarecido.


Ah, sim, é preciso dizer que o Cais das Artes, um prédio quadrado que ocupa um nobre espaço na Praça do Papa, na Enseada do Suá, idealizado e iniciado pelo governo de Paulo Hartung em 2008 e está com suas obras paralisadas há 10 anos, já tendo consumido mais de R$ 100 milhões em recursos públicos. De lá para cá passaram-se dois governos de Renato Casagrande e outro de Paulo Hartung, criador do projeto, e até agora nada. 

Como se vê, são dois governantes que gostam de artes. Com a palavra o Ministério Público.