O Governador Renato Casagrande (PSB) foi derrotado na Justiça duas vezes esta semana. Perdeu em processo de calúnia contra o deputado Capitão Assunção (Patriotas), que o acusou de corrupção, mas tem imunidade parlamentar. E perdeu em ação popular movida pelo parlamentar Carlos Von (Avante), que conseguiu cancelar a aplicação de R$ 7 milhões no estádio Cléber Andrade e destiná-lo ao combate ao Corona Vírus (COVID-19).

Para piorar, o Ministério Público Federal anunciou seu rompimento institucional com o Governo do ES, quando se retirou sem justificativa do comitê tripartite contra a COVID-19, criado por Casagrande, integrado por membros de seu gabinete e o MP Estadual. A saída do MPF foi ruidosa, embora o governo tente ocultar o fato. 

Todos esses atos são muito simbólicos. Para bons entendedores, têm panos de fundo e recados importantes. Explica-se.

É perceptível o esfacelamento da autoridade do Governo. Isso decorre de vários fatores: suspeitas em contratos emergenciais sem licitação, má gestão na pandemia e iminência de colapso fiscal nas contas do Estado. A voraz ocupação do PSB em cargos comissionados e a interferência grosseira da máquina de governo em entidades e partidos em ano eleitoral, engrossa esse caldo de reprovação.

Casagrande caminha rumo a uma tempestade perfeita, criada em grande parte por suas próprias mãos. Antes com muito dinheiro em caixa e a certeza de que sua governança entraria para história com grandes obras de infraestrutura, viu os ventos mudarem repentinamente.

A pandemia do COVID-19 e a crise internacional do petróleo evidentemente serão rotuladas no discurso político como “força maior” para justificar a perda de quase R$ 2.5 bilhões anuais. Ou seja, são causas que em tese estão fora de seu controle - somente na origem, diga-se de passagem, porém não nos preparativos de impacto. 

Entretanto, contra o discurso de “força maior”, há um fator humano atrelado ao gestor: é de sua exclusiva responsabilidade o aumento salarial para as polícias, no valor de R$ 1 bilhão anuais. Essa decisão saiu de sua caneta e não da conjuntura internacional. 

Da mesma forma, vai para a conta do Governador a ausência de um plano efetivo e preventivo de cortes de “gorduras”. Um exemplo que não passou despercebido: o ex deputado Freitas, técnico de farmácia, afilhado político de Casagrande do PSB de São Mateus, foi derrotado na eleição de 2018, mas ganhou esse ano um cargo político com salário de R$ 10 mil reais na Casa Civil.

De qualquer forma, independente da retórica de “força maior”ou não no desajuste das contas públicas, o fato é que a fábula dos três porquinhos se mostra muito atual: tem aquele que faz a casa de palha, o que faz a de madeira e o que faz a casa de tijolo. O último se preparou para tudo, inclusive para o inesperado lobo mau. Este último foi o visionário que se mostrou o mais capacitado para enfrentar toda e qualquer adversidade, inclusive as de “força maior” como na citada fábula.

Trocando em miúdos, todas as consequências nas contas públicas e na economia do Estado estão umbilicalmente ligados às decisões do comandante, independente do cenário de bonança ou hostilidade que se apresentará. Essa percepção, sagacidade e sensibilidade são o preço do poder alcançado no cargo de Governador do Espírito Santo.

Se eventual insucesso resultar de “força maior”, equipe ruim, pressão das polícias, corrupção de colaboradores, nada disso importa quando se trata da equação principal: preservação da vida e de colocar comida na mesa. E isso significa tanto manter os salários dos servidores e compromissos contratuais em dia, quanto manter empregos e a economia aquecida. 

A premissa disso tudo é o ajuste fiscal, que se tornou uma virtude quando deveria ser uma obrigação, à exemplo da honestidade. É o básico exigido de qualquer homem público, mas virou qualidade, virtude. Nesse cenário, surge inevitavelmente a figura do ex-Governador Paulo Hartung, que acostumou mal (no bom sentido) o Espírito Santo a ser diferenciado na cultura da responsabilidade fiscal em seus três mandatos (2003-2006; 2007-2010; 2014-2018). Qualquer governador que sucedê-lo será cobrado por isso, sob pena de ver o espectro do antecessor assombrar sua gestão e até interromper sua carreira política. 

Enquanto o ES resistiu à ventania sob o comando do ex-governador PH na crise de 2015-2018 (2º governo Dilma), os maiores Estados da federação, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul quebraram e até hoje balançam para se erguer. A obrigação de responsabilidade fiscal virou necessidade de qualquer gestor qualificado, precificada a peso de ouro no País. Isso catapultou a experiência do ES Brasil afora, sendo até destaque na Revista Inglesa Financial Times. Ou seja, hoje, nesse tema “tiramos onda” na federação, como se diz entre os jovens.

O eleitorado capixaba mais amadurecido tem lembrança dos governos Albuíno Azeredo (1990-1993), Vitor Buaiz (1994-1998) e José Ignácio (1999-2002), marcados por descalabros nas contas públicas e corrupção. Foi Paulo Hartung que, eleito governador, colocou ordem e progresso. Apesar dos defeitos e erros, tem o mérito visionário da cultura de controle das contas públicas no Governo do ES, o que organizou e enxugou a máquina pública estadual.

O eleitorado mais jovem não assistiu a esses capítulos da história. E tomara que não precisem viver o descalabro financeiro para perceber a importância desse equilíbrio.

Por fim, tecidas as considerações acima, retorna-se ao ponto de origem que motivou essa análise e remete-se ao seu título que bem resume o iceberg logo à frente: “Justiça e MP Federal dão recado ao Governo Casagrande”.