A cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil, de acordo com levantamento do Instituto Maria da Penha. Parte dos casos ocorre no ambiente onde trabalham os responsáveis por formular políticas de proteção às vítimas de violência, o Congresso Nacional. Deputadas denunciam a falta de amparo quando elas próprias se tornam alvo de ataques machistas, no centro das decisões políticas da nação.

Em 20 anos, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados jamais acolheu uma representação de deputadas mulheres que denunciaram terem sido vítimas de violência política de gênero dentro do Congresso. A conclusão faz parte do estudo “Debaixo do Tapete: A Violência Política de Gênero e o Silêncio do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”, da doutora Tássia Rabelo de Pinho, docente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Ela analisou dados disponibilizados pelo site da Câmara dos Deputados, entre 2001 e 2018, que mostram que o Conselho de Ética recebeu 150 representações no geral. Destas, 120 foram arquivadas, sendo que 58 não foram nem sequer apreciadas. “Neste amplo, mas pouco eficaz universo, foram classificados enquanto denúncias de violência política de gênero sete casos”, descreve a pesquisadora.

Pinho usou o conceito de violência política de gênero cunhado pelas cientistas políticas Mona Lena Krook e Juliana Restrepo Sanín para tipificar as representações. “Trabalhei na Câmara dos Deputados depois de ter passado pelo Executivo, ONGs e universidades. Senti que era um espaço muito machista”, relata. Além das representações, ela analisou notas taquigráficas, vídeos e os debates dentro do Conselho de Ética.

No artigo, Tássia Pinho explica que a violência política de gênero consiste em comportamentos que têm como alvo específico as mulheres que atuam politicamente, em sua condição de mulheres, e visa fazer com que estas abandonem a política ou sejam deslegitimadas aos olhos do público.

A primeira representação classificada como violência política de gênero é a nº 36 de 2014, impetrada em conjunto pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), PSOL e Partido Socialista Brasileiro (PSB), contra o então deputado Jair Bolsonaro.

O caso tornou-se conhecido nacionalmente após Bolsonaro dizer que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merecia”. “A representação incluía ainda ofensas injuriosas, difamantes e caluniosas contra a deputada e a presidenta Dilma Rousseff. Ambas foram acusadas por Bolsonaro de participarem de atos criminosos”, relata o artigo.