Mais de 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo já podem ser consideradas recuperadas da Covid-19, doença que se espalhou por mais de 180 países de todos os continentes e foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março. A infecção causada pelo coronavírus Sars-CoV-2 já contagiou mais de 4 milhões de pessoas no planeta, e, como a letalidade do vírus não está entre as mais elevadas de que se tem notícia, boa parte desse grupo vai se juntar aos recuperados nas próximas semanas.

Um exemplo desse provável movimento nos números é a China, país que registrou em dezembro os primeiros casos da doença na cidade de Wuhan. O país, de quase 1,4 bilhão de habitantes, adotou medidas severas de confinamento e informa que conteve a epidemia em um patamar estabilizado de 84 mil casos.

Desde o pico da transmissão na China, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, os registros diários de casos foram reduzidos a menos de 100 por dia, com raras exceções. Com o crescimento do número de recuperados e a desaceleração das novas infecções, o país hoje soma cerca de 79,2 mil curados e 4,6 mil mortes, em um universo de 84 mil casos informados pelas autoridades sanitárias do país.

Muitos países, no entanto, ainda registram um número alto de novos casos todos os dias, o que faz com que o total de casos confirmados da doença ainda seja mais que o dobro do de recuperados. O Brasil é um dos países nessa situação, com mais de 188 mil casos confirmados e cerca de 79 mil recuperados. Como os quadros leves de infecção costumam durar 14 dias após o início dos sintomas, uma parte considerável da alta diária de casos entra na conta dos casos recuperados alguns dias depois.

Mas quando alguém pode ser considerado recuperado de Covid-19?

Contagem de recuperados

A OMS considera, no caso dos doentes confirmados por critério laboratorial, que estão recuperados aqueles que tiveram dois resultados negativos para SARS-CoV-2 com pelo menos um dia de intervalo. Já nos casos leves de Covid-19, a OMS estima que o tempo entre o início da infecção e a recuperação dure até 14 dias.

O Ministério da Saúde informa que, no caso do Brasil, o número de recuperados considera os dois critérios da OMS. De um lado, entram na conta pacientes com infecções mais graves que foram internados e passam por novos testes para identificar se o vírus continua ativo no organismo. Do outro, estão os pacientes com casos leves, que entram na conta de recuperados quando não apresentam mais os sintomas após 14 dias do início da infecção.

Sintomas pós-alta

Para grande parte desses recuperados, os sintomas da covid-19 terão ficado no passado. Mas, para uma parcela deles, ainda será preciso acompanhamento profissional. É o que explica a pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Patrícia Canto.

“Pacientes que tiveram poucos sintomas, com um quadro parecido com um resfriado ou uma gripe, se recuperam bem e não costumam ter nenhum problema depois desses 14 dias”, explica. “Os pacientes com quadro mais moderado não saem dos 14 dias e voltam ao normal. Eles têm recebido alta e procurado os serviços de saúde novamente, ainda em recuperação, muitos com uma sensação de cansaço, ainda sem conseguir voltar às suas atividades normais. Muitos ainda apresentam falta de ar.”

A pneumologista explica que os casos moderados são aqueles em que houve internação sem a necessidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI). “O que eu tenho visto, acompanhando pacientes nessa fase pós-alta, são pacientes ainda muito cansados, com relatos de falta de ar ainda. Principalmente os que já tinham asma ou alguma doença pulmonar.”

As consequências mais sérias têm sido observadas em pacientes que desenvolvem os quadros graves da covid-19. Nesse caso, as complicações muitas vezes vão além do pulmão durante a internação, com insuficiência renal e problemas de coagulação.

“Esses vão ter um período muito mais longo de recuperação”, conta ela. Como o tempo de internação em UTI pode chegar a semanas, a necessidade de fisioterapia respiratória e motora tem sido frequente, principalmente para pacientes idosos.

Resposta autoimune

Apesar de a pneumonia viral ser a complicação mais comum dos casos graves de Covid-19, a ação disseminada do vírus no organismo tem sido observada por médicos e cientistas, e ainda não se tem certeza absoluta se o que determina essas complicações é o ataque direto do vírus ou uma resposta exagerada do sistema imunológico.

“Há pacientes agravando com uma resposta imunológica muito exacerbada. O próprio sistema imune começa a trabalhar de uma forma descontrolada, e muitas dessas lesões podem ocorrer por conta dessa resposta inflamatória que o vírus desencadeia”, pondera a pneumologista, que exemplifica que esses problemas podem chegar a órgãos como o cérebro e o coração.

Monitoramento

A pneumologista aconselha que os pacientes recuperados que continuem apresentando sintomas como cansaço busquem o serviço de saúde para acompanhamento médico. O retorno às atividades deve ser cuidadoso, e a prática de exercícios físicos, por exemplo, deve ser retomada de forma gradual, caso não haja mais sintomas respiratórios.

Com o crescimento do número de recuperados, a pneumologista acredita que o acompanhamento desse grupo vai gerar uma nova pressão por serviços de saúde que precisa ser observada pelos gestores da área.

“A gente vê que muitos desses recuperados são pessoas ainda com algumas sequelas e sintomas, ainda que a gente não possa ter certeza de por quanto tempo elas terão esses sintomas. Veremos um aumento da demanda”, disse.