No último domingo (6/3), autoridades de saúde de Israel informaram que o país registrou um caso de poliomielite em uma criança de 3 anos, não vacinada contra a doença. Foi o primeiro registro da enfermidade no país em 30 anos.

Em fevereiro deste ano, também foram registrados casos de pólio no Maláui, na África, continente que não computava ocorrências da doença havia cinco anos. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde chegou (OMS) anunciou erradicação da poliomielite na região.

A volta dos casos ao redor do mundo acende um alerta para a possibilidade de novos surtos. Também conhecida como paralisia infantil, a doença é causada pelo polivírus selvagem (PVS), que pode infectar crianças e adultos. Casos graves chega a gerar paralisia dos membros inferiores.

 

A única forma de prevenção é a vacinação. No entanto, o cenário de imunização é preocupante — especialmente no Brasil. Por aqui, o vírus parou de circular em 1990. Dados do Ministério da Saúde, coletados pelo Metrópoles por meio da plataforma Datasus, apontam, entretanto, queda de 31% na cobertura vacinal entre 2015 e 2021.

Anualmente, a meta do Ministério da Saúde nas campanhas de vacinação é de atingir 90% do público-alvo. Em 2015, os índices foram positivos: a cobertura vacinal contra pólio foi de 98,29%.

No entanto, ao longo dos anos, a porcentagem sofreu queda. Entre 2016 e 2019, a cobertura ficou entre 84% e 89%. Em 2020, após o início da pandemia de Covid, o índice foi de 76%. Os dados mais recentes mostram que, em 2021, a cobertura chegou apenas a 67,7%.

 

Pólio no mundo

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), se a doença não for erradicada rapidamente, podem ocorrer até 200 mil novos casos a cada ano no mundo, dentro do período de uma década. Ao Metrópoles, o pediatra Ricardo Gurgel, membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explicou que o momento é de alto risco.

“Tem duas situações que são perigosas. Primeiro, é que a cobertura geral da pólio está abaixo de 75%. Isso é um patamar muito perigoso, porque tem uma quantidade grande de indivíduos não vacinados. Coma chegada do vírus selvagem, eles podem se contaminar”, ressaltou.

Ele também citou a parcela de pessoas que não se vacinam por questões políticas. “Algumas dessas pessoas estão em bolsões, grupos que, por características ideológicas, não se vacinam. Nessas casos, se entra o vírus selvagem, é uma tragédia”, pontuou.

Transmissão e vacinação

Gurgel explica que o polivírus é intestinal, e a contaminação ocorre via fecal e oral. Para o pediatra, mesmo com casos registrados a milhares de quilômetros de distância do Brasil, como os de Israel e Maláui, o país deve ficar em alerta.

“Apesar da redução que houve com a pandemia, ainda se viaja muito rapidamente de um lugar para o outro. A chance de chegar o vírus por aqui é muito alta”, afirma.

Para evitar a volta da doença ao território brasileiro, é necessário planejar grandes campanhas de vacinação. É o que avalia Anamélia Lorenzetti Bocca, professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em vacinas.

“O Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem que fazer o que vinha fazendo todos os anos anteriores: campanha do Zé Gotinha. Durante muito tempo a gente via campanha a cada seis meses da gotinha da pólio. Era um mutirão para fazer essa cobertura. De uns tempos para cá, a gente não vê mais essa campanha massiva para poder chamar essas pessoas”, ressalta.

A especialista também pontua que é importante organizar centros de vacinação em pontos estratégicos, como escolas (caso haja autorização prévia dos pais e responsáveis) e locais de grande circulação.

 

“Se a mãe trabalha a semana toda, ela não vai poder levar a criança pra vacinar. Funcionar no fim de semana é extremamente importante. E ter pontos que vão nas regiões mais distantes, mais pobres, montar postos móveis”, ressalta.

O pediatra Ricardo Gurgel também ressalta a importância de ações do governo federal para fortalecer o PNI. Ele lembra que o programa ficou sem coordenador nomeado durante seis meses. Gurgel chegou a ser nomeado para assumir o cargo, mas foi informado de que não tomaria posse.

“O PNI ficou muito tempo desestruturado. Lá tem pessoas muito boas, lá tem pessoas comprometidas. [O programa esteve] sem uma ênfase da direção central do MS e do governo federal, para que uma grande campanha seja feita e isso chegue na ponta, onde estão as UBS. Tem vários pequenos entraves que podem, no fim, resultar em uma baixa tendência a vacinar”, pontua.

O que diz o Ministério da Saúde?

O Ministério da Saúde informa que o Brasil tem intensificado as ações de imunização e vigilância epidemiológica da poliomielite entre o público-alvo. A Pasta acompanha o andamento da cobertura vacinal e recomenda aos estados, municípios e Distrito Federal que realizem a busca ativa para vacinação. A divulgação de informações sobre a segurança e a efetividade das vacinas como medida de saúde pública fazem parte de ações realizadas durante todo o ano.

O percentual de cobertura vacinal em 2021*, com o esquema completo (D3) da vacina da Poliomielite, é de 67,1%; com segunda dose (D2) é de 79,5,0%; e com a primeira dose (D1) é de 81,3%. A cobertura vacinal de reforço da Poliomielite para menores de 5 anos é de 85,6%.