A motivação criminosa que resultou na chacina que matou 10 pessoas da mesma família no Distrito Federal foi uma chácara de R$ 2 milhões onde parte da família morava. No local viviam dois dos suspeitos, Gideon Batista de Menezes, 55, e Horácio Carlos, 49, que seriam amigos e conviviam diariamente com as vítimas. Em coletiva de imprensa, o delegado Ricardo Viana, da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), contou os detalhes do desfecho desse caso que chocou o DF e o país. Ao todo, cinco suspeitos de ligação no caso foram presos.

Gideon e Horácio trabalhavam para Marcos Antônio, sogro da cabeleireira Elizamar da Silva. A partir das investigações, eles queriam a posse da chácara, localizada próximo ao condomínio Entre Lagos, zona rural no Itapoã,  para futuramente poderem vender e dividir o valor entre os integrantes do crime. O plano desde início era assassinar toda a família, porque assim, o terreno não teria herdeiros.

Todo o crime teria sido arquitetado cerca de três meses antes. No dia 23 de outubro, Horácio alugou uma casa em Planaltina, que se tornou um cativeiro onde as vítimas eram mantidas reféns e onde o corpo de Marcos foi encontrado enterrado em uma cova rasa.

Execução do crime

Segundo o delegado Ricardo Viana, a chácara seria vendida por Marcos por R$ 2 milhões sem o conhecimento e aprovação de Gideon e Horácio que também moravam no local. Ao descobrirem sobre a venda, os homens se incomodaram e começaram a arquitetar o crime. 

Em dezembro, a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina Marques de Oliveira, vendeu um imóvel por R$ 200 mil. Nisso, os criminosos planejaram a extorsão e o envolvimento dela e de sua filha Ana Beatriz, parte da outra família de Marcos.

Além dos valores desejados da chácara no Itapoã, e do imóvel de Cláudia, os criminosos também visavam embolsar valores de contas bancárias, talões de cheque e cartões de crédito das vítimas, segundo os investigadores.

Cronologia dos assassinatos

28 de dezembro de 2022

O plano começa a ser posto em prática na chácara. O delegado Ricardo Viana disse que o núcleo de criminosos responsável pela chacina no Distrito Federal simularam um assalto para render e sequestrar as vítimas Marcos Antônio Lopes, 54, Renata Belchior, 52, e Gabriela Belchior, 25. Esse foi apenas o primeiro falso assalto, posteriormente, a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina, 55, e a filha deles, Ana Beatriz, 19. 

Durante a prática do plano, Horácio Carlos e Gideon Batista se passaram por vítimas, para que a família não desconfiasse que eles estariam envolvidos no crime. A intenção era levar os três membros da família ao cativeiro em Planaltina. 

Carlomam dos Santos Nogueira, Fabricio Silva Canhedo e um adolescente de 17 anos entraram na chácara com ajuda de Gideon, que estava do lado de fora do local facilitando a entrada. Ao invadir  a residência, renderam a família e Horácio, colocando-os deitados no chão. Gideon entrou rendido logo em seguida, também se fazendo como suposta vítima.

Porém, Marcos reagiu ao suposto assalto e foi atingido por Carlomam com um tiro na nuca. Após isso, Marcos, Renata e Gabriela foram levados a casa alugada e usada como cativeiro em Planaltina, inclusive Marcos, que estava agonizando. Ele foi enrolado em tapetes e guiado ao cárcere junto com as mulheres.

Ao chegarem no cativeiro naquela mesma noite, as mulheres foram levadas vendadas e amarradas para um cômodo da casa, e Marcos até a cozinha da residência por Gideon e Horácio. O homem foi esquartejado e, em seguida, os criminosos cavaram um buraco e enterraram a vítima em uma cova rasa. Ao ver tamanha brutalidade, o adolescente envolvido entrou em pânico, pulou o muro da casa e fugiu.

 

 

4 de janeiro

No segundo falso assalto, em 4 de janeiro, os criminosos sequestraram a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina, e a filha deles, Ana Beatriz. Com o mesmo modus operandi de simulação, o grupo simulou, com o celular de Marcos, que Gideon, Horácio e Fabrício ajudariam na mudança para a nova residência da mulher. 

Quando Cláudia e a filha entraram na casa, Carlomam rendeu as vítimas enquanto os outros dois fingiam novamente serem vítimas. Mãe e filha foram amarradas, tiveram os olhos vendados e foram levadas ao cárcere em Planaltina. Chegando lá, foram colocadas em um outro cômodo da casa, diferente do que estavam Renata e Gabriela.

 

 

12 de janeiro

Thiago Belchior, marido da cabeleireira Elizamar, é sequestrado e levado ao cativeiro no dia 12 de janeiro por Carlomam e Carlos Henrique Alves da Silva, 27, conhecido como “Galego”, quinto suspeito da chacina. Thiago teria começado a perguntar sobre o pai aos funcionários Gideon e Horácio, que o atraíram para a chácara. 

Thiago chega no condomínio Entre Lagos e é buscado pelo Horácio. Gideon coloca Carlomam e Carlos Henrique para simular o assalto. Thiago é rendido, amordaçado, algemado e amarrado pelos pés. Em seguida, é levado ao cativeiro em Planaltina.

Pouco tempo depois, Elizamar e seus três filhos também chegam no local, Carlomam rende a família e os colocam no interior da residência, onde são mortos asfixiados. De lá, eles levam a mulher e as crianças para Cristalina (GO), onde são carbonizados dentro do veículo da cabeleireira.

14 de janeiro

Os suspeitos retornam ao cativeiro e levam Renata e Gabriela de carro até Unaí, em Minas Gerais, elas foram mortas asfixiadas e seus corpos carbonizados dentro do veículo. Carlomam, Horácio e Gideon participaram do incêndio do veículo. Gideon teve mãos e braços queimados, e devido a isso, ficou fora das execuções das outras mortes.

“Sempre nessas ações de queimar corpos, de matar pessoas fora do DF, estavam presentes Carlomam, Horácio e Gideon. O Fabrício ficava cuidando do cativeiro. Nesse dia 14 eles retornam para o cativeiro e lá, Gideon queimado pela ação do fogo, ele se autodenomina flagrante e não poderia mais participar pelo nível das queimaduras. No dia 15, eles vão dar um destino no Thiago, Cláudia e Ana Beatriz”, disse o delegado Ricardo Viana.

15 de janeiro

Gideon não participou de forma efetiva na morte das próximas vítimas, Thiago, Cláudia e Ana Beatriz. Eles foram levados a uma casa abandonada a 5km do cativeiro, onde foram esfaqueados e, em seguida, jogados em uma fossa céptica. 

Os corpos estavam cobertos com pedras, calhas e bastante terra. Horário e Gideon teriam combinado entre eles o que faria com as vítimas. “Eles sabiam exatamente onde esses corpos ficariam, sabiam exatamente onde iriam jogar os corpos”, acrescentou Ricardo Viana.

Toda a execução do plano durou 18 dias. Para a polícia, os executores da chacina fazem parte de uma associação criminosa armada. “Em todos os meus 27 anos de polícia, não presenciei uma chacina como essa, […] Se deu um desfecho que a gente não esperava (as  mortes). Realmente chocou a todos nós policiais, foi um momento muito difícil nas nossas vidas e nas nossas carreirastambém”, contou o delegado.

Sobre as mulheres terem sofrido agressões sexuais, Ricardo Viana disse que essa é uma questão que intrigoa a polícia pelos corpos terem aparecido carbonizados. Segundo o delegado, três corpos ainda passam por exames e, pelo estado em que estavam, não é possível afirmar se será possível apurar esse tipo de violência.

“Gabriela e Renata, por exemplo, ficaram 18 dias na posse dessas pessoas. Cláudia e Ana, 14 dias na posse dessas pessoas. Eram 4 homens, alguns destes com passado voltado para a prática criminosa. Todos eles foram questionados sobre isso e negaram essa prática lá no interior (casa)”, disse Ricardo Viana.

Terreno não era de Marcos Antônio

Segundo as investigações, o terreno que motivou as 10 mortes não era de propriedade de Marcos Antônio. Inclusive, é alvo de uma ação judicial de reintegração de posse, movida pela atual proprietária do local.

Os investigadores apontam que Marcos Antônio assumiu a dívida trabalhista de um caseiro que havia no terreno como forma de pagamento para morar na chácara. “A atual proprietária tentava tirar Marcos do local.”, afirma o delegado Ricardo Viana.

Crimes e penas

O quinto suspeito, Carlos Henrique Alves da Silva, conhecido como Galego, participou do sequestro e da morte de Thiago Belchior. Segundo os investigadores, os quatro principais envolvidos, Gideon, Horácio, Carlomam e Fabrício serão investigados pelos crimes de: ocultação/destruição de cadáver; extorsão mediante sequestro com resultado morte; homicídio qualificado ( 5 vezes, correspondente a morte de Thiago, Elizamar e os três filhos); latrocínio; associação criminosa qualificada e corrupção de menor qualificada.

Somadas as penas variam entre 190 a 340 anos de prisão, entretanto, no Brasil, a pena máxima é de 40 anos. Carlos Henrique deve responder pelo crime de homicídio, enquanto a responsabilização do adolescente de 17 anos está a cargo da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA I), na Asa Norte, que chegou a pedir a internação do menor de idade à Justiça.

O delegado Ricardo Viana ainda ressaltou que a investigação ainda não chegou ao fim, uma vez que a polícia pediu medidas cautelares, como a quebra do sigilo bancário e telefônico. Ele também contou que Gideon tinha passagem por tentativa de latrocínio. 

Em 2021, o irmão de Gideon teria vindo da Bahia até o DF com uma grande quantia de dinheiro, mas sumiu de repente e nunca mais foi visto, não se sabe se ele chegou na capital. A polícia do estado da Bahia investiga esse sumiço, já que a PCDF não possui autorização para investigar.

Vítimas do crime:

  • Elizamar Silva, 39 anos: cabeleireira;
  • Thiago Gabriel Belchior, 30 anos: marido de Elizamar Silva;
  • Rafael da Silva, 6 anos: filho de Elizamar e Thiago;
  • Rafaela da Silva, 6 anos: filha de Elizamar e Thiago;
  • Gabriel da Silva, 7 anos: filho de Elizamar e Thiago;
  • Marcos Antônio Lopes de Oliveira, 54 anos: pai de Thiago e sogro de Elizamar;
  • Cláudia Regina Marques de Oliveira, 54 anos: ex-mulher de Marcos Antônio;
  • Renata Juliene Belchior, 52 anos: mãe de Thiago e sogra de Elizamar;
  • Gabriela Belchior, 25 anos: irmã de Thiago e cunhada de Elizamar;
  • Ana Beatriz Marques de Oliveira, 19 anos: filha de Cláudia e Marcos Antônio.