A vacina contra a dengue foi incorporada ao SUS, anunciou ontem a ministra da Saúde, Nísia Trindade. O Brasil será o primeiro país do mundo a incluir a vacina em seu sistema único de saúde. O imunizante, entretanto, não será aplicado em larga escala inicialmente em razão da capacidade limitada do laboratório para a sua produção.

— Teremos que priorizar áreas e grupos mais vulneráveis. Essa é a orientação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), que avalia fatores como o acesso e a relação custo-benefício — afirmou a ministra em suas redes sociais.

Em 2024, de acordo com a ministra, serão oferecidas 6,2 milhões de doses para um grupo de 3,1 milhões de pessoas. A vacinação começará em fevereiro. A expectativa da pasta é que um acordo possa ser feito com o laboratório Takeda, responsável pela produção da vacina, para que o imunizante também possa vir a ser fabricado no Brasil.

— Estamos discutindo uma transferência de tecnologia com a empresa e é muito provável que consigamos um resultado positivo. Temos dois grandes laboratórios, o Instituto Butantan e a Fiocruz, com capacidade de produção para chegarmos à escala de que nosso país e população precisam.

Nas próximas semanas, o ministério, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), irá definir a estratégia de utilização das 6 milhões de doses, definindo o público-alvo e as regiões com maior incidência da doença.

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alexandre Naime Barbosa, vê a incorporação como essencial diante do agravamento de epidemia da doença nos últimos anos.

— A vacina da dengue foi incorporada num momento mais do que oportuno porque nunca na história desse país tivemos um número tão grande de óbitos pela doença. 2022 foi o ano de recorde histórico, com mais de mil óbitos por dengue e isso nunca havia acontecido. Mas 2023 já superou o ano passado e as perspectivas que temos para 2024 em termos da epidemia são alarmantes. Portanto, a vacina vem para salvar vidas — afirma Naime Barbosa.

De acordo com o infectologista, a SBI entende que é “salutar que a vacina tenha sido incorporada da maneira possível”, porque já protege os mais vulneráveis e abre caminho para que novos lotes sejam comprados no futuro.

— Infelizmente, por conta do estoque disponível, como é uma vacina inovadora, produzida por apenas um laboratório e licenciada em diversos países, o que o laboratório consegue fornecer em termos de dose fica para uma população restrita. Obviamente nós todos gostaríamos que essa vacinação pudesse ser feita em maior escala, mas já é um primeiro passo — explica o vice-presidente da SBI.

O imunizante

A Qdenga, também chamada de TAK-003, recebeu o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março para uso no Brasil em pessoas de 4 a 60 anos. A vacina começou a ser comercializada nas clínicas particulares no início de julho.

Ela é aplicada em duas doses. O esquema protege contra os quatro sorotipos do vírus e, nos testes clínicos, demonstrou uma eficácia geral de 80,2% para evitar infecções, e 90,4% para casos graves.

Nas clínicas, as doses podem ser encontradas por valores que variam entre R$ 400 e R$ 500. Como o esquema envolve duas aplicações, com um intervalo de três meses entre elas, o preço final fica entre R$ 800 e R$ 1 mil.

A vacina não é a primeira contra a dengue recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ou a receber um aval da Anvisa. Em 2015, o Brasil aprovou a Dengvaxia, desenvolvida pela Sanofi, que se tornou o primeiro imunizante para a doença com o sinal verde no país.

Contudo, o público-alvo restrito levou a Dengvaxia a não ter uma alta adesão — ela é indicada apenas aos que já foram contaminados anteriormente para evitar um quadro de reinfecção mais grave. Em pessoas que nunca tiveram dengue, a dose não se mostrou significativamente eficaz em impedir a infecção. Também não apresentou o perfil ideal de segurança, levando à possibilidade de um risco aumentado de casos graves no período após a vacinação. Assim, o imunizante nunca chegou a ser incorporado ao SUS.

Recordes históricos

Neste ano, o país se tornou o primeiro do mundo no ranking de casos de dengue, e já ultrapassou o total do ano passado. Segundo as últimas atualizações epidemiológicas do Ministério da Saúde, são mais de 1,6 milhão de casos, 23,4 mil casos graves e mais de mil óbitos.

Em 2022, ano que já havia batido recorde de mortes, foram 1,4 milhão de casos, 16,3 mil casos graves e 1.016 óbitos pela doença.

O Ministério da Saúde atribuiu, em nota, o crescimento das arboviroses a “fatores como a variação climática e aumento das chuvas no período em todo o país, o grande número de pessoas suscetíveis às doenças e a mudança na circulação de sorotipo do vírus”.

A dengue tem quatro sorotipos, a DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4. Na maioria dos estados, os casos têm sido provocados pelo tipo 1, embora alguns tenham prevalência do sorotipo 2. Há ainda uma proporção considerável em Roraima associada ao DENV3.

O ressurgimento do tipo 3, que há 15 anos não causava epidemias no país, tem preocupado especialistas em relação à possibilidade de novos surtos provocados por ele, o que pode piorar o cenário epidemiológico. Um estudo da Fiocruz, coordenado pela Fiocruz Amazônia e pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), relatou casos identificados em Roraima, mas também no Paraná.

"Nesse estudo, fizemos a caracterização genética dos casos de infecção pelo sorotipo 3 do vírus dengue. É um indicativo de que poderemos voltar a ter, talvez não agora, mas nos próximos meses ou anos, epidemias causadas por esse sorotipo", explicou o virologista Felipe Naveca, chefe do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes e Negligenciados da Fiocruz Amazônia e pesquisador do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC/Fiocruz, à agência Fiocruz.

A dengue costuma ser cíclica, ou seja, provocar ondas maiores a cada três anos. No entanto, os altos números mesmo em períodos de expectativa para menor incidência e a manutenção da tendência de alta neste ano após os recordes em 2022 acendem um alerta.

A principal estratégia de combate à dengue no país ainda são as campanhas de prevenção que buscam evitar a proliferação do mosquito transmissor, como evitar a água parada, tampar caixas d’água e colocar areia nos pratos de vasos de planta.

Outras técnicas, como a criação de mosquitos com a bactéria wolbachia também têm avançado no país. A bactéria está presente em cerca de metade dos insetos, mas que não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti. Ao ser inserida nele, ela impede que os vírus da dengue, do zika e da chikungunya também se desenvolvam. O método, promovido pela Fiocruz, vai ser expandido com a construção de uma biofábrica capaz de produzir até 100 milhões de mosquitos por semana, 5 bilhões ao ano, anunciou a fundação.