Uma das mulheres que agrediu uma enfermeira, na sala de vacinação na Unidade Básica de Saúde (UBS) Manoel Vitorino, em Brotas, bairro de Salvador, é médica. A vítima relatou que, junto com a irmã, a agressora queria fazer com que a equipe burlasse o sistema do Ministério da Saúde.

O caso aconteceu no sábado (11) e um boletim de ocorrência foi registrado na Central de Flagrantes. Agredir verbal ou fisicamente um servidor público no exercício da função é crime de desacato. Nesta segunda-feira (13), a reportagem conseguiu contato com a médica que agrediu a enfermeira.

O companheiro dela disse que ela vai consultar advogados, antes de dar entrevistas. Em entrevista para a TV Bahia, a vítima falou como se sente.

“Fisicamente, eu estou muito machucada, dolorida. Mas o emocional é o pior. Eu não estou conseguindo acreditar. Parece que eu estou fora da realidade, que eu estou assistindo um filme de terror. Eu não consigo mais fechar o olho, que eu lembro do momento em que eu estava sendo agredida. Essas duas senhoras pularam em cima de mim e me bateram muito".

 

"Tomei muito tapa, muito puxão de cabelo. Eu não consigo mais esquecer que esse momento existiu. Não consigo comer, não consigo assistir, não consigo dormir. Está sendo muito difícil”.

 

O Sindicato dos Servidores Públicos do Município já registrou 18 agressões contra profissionais da saúde em salas de vacinação de Salvador, desde o início da imunização. Ainda abalada, a enfermeira deu detalhes sobre como a situação começou.

“Elas chegaram com duas crianças para serem vacinadas. Me entregaram o cartão, eu conferi a documentação de dentro, mas não conferi a vacina. Entreguei na sala que seria responsável pela aplicação da vacina. Foi quando uma das pessoas me chamou, para avisar que o cartão estava incompleto e que no sistema não constava nenhuma dose. Eu conferi no sistema e não constava dose no registro do município. Também não constava, no cartão da criança, validade, local de aplicação, nem o nome da pessoa que aplicou".

A profissional detalhou ainda que as mulheres estavam com dois cartões de vacinação, para a mesma criança, que não teve idade divulgada.

"Ela apresentava dois cartões: um, contendo a vacina CoronaVac, e o outro, contendo a vacina Pfizer. Eu expliquei para a mãe que ela teria que aguardar alguns minutos, que essas informações seriam passadas para o distrito, e eles lá iriam fazer a correção. A mãe foi extremamente agressiva comigo neste momento, partiu para a agressão verbal, me chamou de incompetente, perguntou como eu poderia deixar uma criança sair desse jeito".

De acordo com a vítima, foi neste momento que a irmã da mulher, que é médica, se apresentou e tentou resolver a situação sugerindo que a enfermeira burlasse o sistema.

"A irmã dela, que se apresentou como médica, tentou solucionar, falando que eu deveria desconsiderar que aquela dose que estava registrada no cartão, apesar de completa, e que a partir daquele momento eu vacinasse a criança como primeira dose. Eu disse: ‘Senhora, eu não posso fazer isso. Se a criança tomou a vacina, é importante que o esquema seja concluído de acordo com o que está protocolado no Ministério da Saúde. Se eu vacinar ela como primeira dose aqui, ela vai tomar a segunda e vai ter uma terceira, sendo que ela já tomou a vacina. O que a senhora está me pedindo é incorreto’.

A enfermeira então tentou levar a situação para a gerência do posto. As duas mulheres então entraram na sala restrita e seguiram tentando convencer a equipe a fraudar o sistema.

“Quando a outra [médica] entrou, ela tentou fazer com que nós burlássemos o sistema do Ministério da Saúde. Insistiu que a criança deveria ser vacinada com qualquer dose, ou CoronaVac ou Pfizer. Aí a mãe rasgou o cartão e a [irmã] médica disse: ‘Então você vai dar a CoronaVac’. Eu disse: ‘Eu não posso fazer isso, porque isso é quebrar o protocolo do Ministério da Saúde. A senhora, como profissional de saúde, deve entender, e eu, como profissional da saúde e responsável pela vacinação, tenho que ter responsabilidade com as crianças e tenho que ter responsabilidade com meu serviço e não vou fazer dessa maneira’.

 

"Foi quando elas se tornaram extremamente agressivas. Quando a gerente disse que ia solucionar o caso, tirando uma foto e mandando para a Coordenação Geral do Distrito, elas simplesmente pularam em mim”.

Uma servidora da Secretaria Municipal de Saúde foi agredida no sábado (11), enquanto trabalhava no mutirão de vacinação contra a Covid-19 na Unidade Básica de Saúde (UBS) Manoel Vitorino, no bairro de Brotas, em Salvador.

Um vídeo divulgado em grupos de mensagens mostra duas funcionárias e outras duas mulheres brigando em uma sala apertada. Na filmagem, é possível ouvir gritos de socorro das servidoras.

A vítima, que pediu para não ser identificada, é enfermeira do posto de saúde. Ela conta que levou tapas e beliscões das mulheres, que acompanhavam uma criança na vacinação.

 

“Tomei muito tapa, puxão de cabelo, ela apertou meu peito. Eu fiquei desesperada”, desabafa.

 

Segundo a enfermeira, a confusão começou após uma outra funcionária perceber que o cartão de vacinação de uma criança estava com irregularidades.

"A outra enfermeira informou que o cartão de imunização da criança estava incompleto. Em um cartão constava (vacinação com imunizante) Coronvac e havia um outro grampeado que constava (imunização com vacina da) Pfizer. Mas a Pfizer estava faltando a validade da vacina, o local e a assinatura pessoa que aplicou o imunizante. Procuramos no sistema, e não havia registro de nenhuma dose”, conta.

Além disso, a profissional explica que, no momento, a vacinação infantil contra a Covid-19 conta com apenas com duas doses, que devem ser do mesmo imunizante.

Diante das irregularidades, ela informou às acompanhantes da criança que levaria a situação para a gerência do posto. Lá, a gerente entraria em contato com a unidade onde a criança tomou o imunizante Coronavac, para entender qual das carteiras de imunização era a correta. Segundo a enfermeira, o processo levaria alguns minutos.

Neste momento, uma das acompanhantes se identificou como médica e exigiu que a criança fosse imunizada imediatamente.

 

"Ela disse que eu teria que dar Pfizer e colocar no sistema como primeira dose. Eu expliquei que não poderia fazer isso, que era contra as regras", afirma a enfermeira.

 

Ela levou as duas mulheres para a sala da gerência e chamou a responsável pela unidade de saúde.

"A gerente tirou foto do cartão para facilitar o processo [de checagem], para confirmarmos com a outra unidade qual era a vacina que a criança deveria tomar. Foi aí que a agressão começou", conta.

Segundo a enfermeira, as mulheres tentaram tomar o cartão de vacinação e começaram a agredir as duas servidoras, que gritaram por socorro. Pessoas que estavam no posto foram até a sala, separaram as mulheres e acionaram a polícia.

 

“Elas foram extremamente violentas. O que me deixa triste é que não tinha necessidade, eu só estava pedindo para ela um tempo. Em nenhum momento eu disse que a filha não seria vacinada”, desabafa a profissional.

 

Em nota, a polícia informou que uma ocorrência foi registrada na Central de Flagrantes e que o caso será enviado para o Juizado Especial Criminal.

Já o Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Salvador (Sindseps) afirmou que tomou conhecimento do caso e que fará o acompanhamento.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde disse "lamentar profundamente" e repudiar as agressões verbais e físicas sofridas pela enfermeira durante exercício de sua atividade. A secretaria diz ainda que "tal atitude é injustificada, sobretudo se tratando de profissional que se dedica a cuidar do próximo". A nota lembra ainda que desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela é crime previsto no Código Penal, com detenção de seis meses a dois anos, ou multa.

Ainda segundo a secretaria, a gestão prestou todo auxílio para estabilizar os servidores.

A diretora do Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Salvador (Sindseps), Gil Assis, afirma que o que aconteceu com a enfermeira não é uma situação atípica. Segundo ela, frequentemente, os funcionários de saúde da prefeitura precisam lidar com agressões e ameaças.

"É muito comum passarmos por esse tipo de situação, seja agressão verbal ou até mesmo física. De um lado, existe a insatisfação dos usuários, por causa da situação do sistema de saúde. Do outro, tem a insatisfação dos servidores, que estão esgotados mentalmente e fisicamente por causa das condições de trabalho", explica.

A própria enfermeira que sofreu a agressão no sábado, conta que já havia sido agredida fisicamente durante campanha de vacinação contra a Covid-19.

"Levei um murro na barriga na época da vacinação de 60 anos. Não dei queixa porque estava uma confusão, os postos estavam cheios e tinha medo de pegar Covid-19. Não ia nem no mercado de tanto medo, imagine na delegacia. Além disso, na época o posto não tinha câmera e eu não tinha como provar a agressão", conta.

No primeiro semestre foram registrados diversos casos de agressões em postos de saúde, especialmente na campanha de vacinação contra Covid-19. O SindSeps lançou a campanha "Parem de nos agredir", e paralisou atividades em diversas unidades, em protesto, pedindo mais segurança.