Com mais de dois mil artigos que regulamentam relações em sociedade, o Código Civil está passando por atualização. Uma das mudanças previstas no anteprojeto apresentado ao Senado, na última semana, está no direito à herança no caso de viúvos ou viúvas.

O texto, elaborado por uma comissão de 36 juristas, prevê que os cônjuges deixam de ser herdeiros necessários. Na prática, o viúvo ou a viúva deixam de ter direito à herança, caso a pessoa falecida tenha filhos ou pais vivos.

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O advogado Fabiano Cabral explicou que, em sendo aprovado o anteprojeto, o cônjuge sobrevivente só poderá ter direito à herança se não existirem herdeiros necessários – descendentes (filhos e netos) ou ascendentes (pais e avós) – ou se a parte que faleceu deixar testamento, respeitadas as quantidades disponíveis para testar.

“Herdeiros necessários têm o direito de receber metade (50%) dos bens deixados como herança, o que se denomina legítima”.

A advogada especialista em Direito de Família e Sucessões e vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Espírito Santo (OAB-ES), Ana Paula Morbeck, explicou que, desde 2002, o cônjuge e o companheiro passaram a ser herdeiros necessários.

“Contudo, em casamentos ou uniões estáveis sob o regime comunhão parcial de bens, ela destacou que os cônjuges continuam sendo meeiros (com direito à metade) em bens adquiridos durante o período que estiveram casados. Não tira a qualidade de meeiro, conforme o regime de bens, mas tira a condição de herdeiro”.

O presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-ES, Igor Pinheiro de Sant'Anna, apontou que o projeto visa permitir maior flexibilidade dos cônjuges regularem livremente questões sucessórias.

 

Igor Pinheiro de Sant'Anna diz que haverá maior flexibilidade dos cônjuges regularem questões sucessórias| Foto:Leone Iglesias / AT

“Se o cônjuge não é mais herdeiro necessário e um deles pretende que o outro receba parte do patrimônio em caso de falecimento, basta dispor isso em testamento, que é um instrumento que pode ser feito dentro de um escritório, observando formalidades legais. Sequer é necessária escritura pública, embora eu recomende”.

A advogada de família e sucessões Anne Brito explicou que um incômodo que existe hoje com a legislação é em caso de pessoas que optam pelo regime de separação de bens. “No caso da morte, o cônjuge hoje tem direito à herança. Caso seja aprovado, ele não teria mais”.

Você sabia?

O Brasil passou a adotar um Código Civil somente em 1916, com a publicação da Lei nº 3.071 do mesmo ano.

Sancionada em 10 de janeiro de 2002, a Lei 10.406 entrou em vigência um ano depois, em 11 de janeiro de 2003, substituindo o Código de 1916, segundo a Agência Senado.

Novo Código Civil

Uma comissão de 36 juristas instituída pelo Senado apresentou, na última semana, um anteprojeto de lei para atualização do Código Civil, que é de 2002.

A comissão, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, propõe a alteração de várias partes do código, incluindo no direito de família e sucessões, direito dos animais e em leis relacionadas à tecnologia. O projeto será debatido agora no Senado.

Herdeiros necessários

Como é hoje

O código Civil, a partir de 2002, passou a prever que os herdeiros necessários são os descendentes (filhos e netos), os ascendentes (pais e avós) e os cônjuges.

Isso garante a eles o direito a uma parte da herança legítima, que equivale a metade dos bens do falecido. Ou seja, 50% do patrimônio obrigatoriamente é destinado a todas essas pessoas.

Na prática, o cônjuge ou companheiro é considerado herdeiro mesmo havendo regime de separação de bens estabelecido em vida.

O que está sendo proposto

O texto retira da lista dos herdeiros necessários os cônjuges.

Mesmo assim, ele pode ser herdeiro caso a pessoa que morreu tenha deixado bens para ele em testamento.

Além disso, mesmo se deixar de ser herdeiro necessário, o cônjuge ainda continuará na ordem de sucessão hereditária prevista no artigo 1.829 do Código Civil. Os cônjuges ou conviventes são os terceiros nessa ordem, atrás de descendentes e ascendentes.

Isso significa que, se não houver um testamento, na ausência de filhos, netos ou pais, a transmissão é feita ao cônjuge.

No caso de casais que optaram pelo regime de comunhão parcial de bens, o viúvo ou a viúva continua a ter direito normalmente à chamada meação, que corresponde à metade do total dos bens que integram o patrimônio comum do casal, adquirido em vida. A proposta da comissão não altera essa possibilidade.

Nesse caso, a herança é só a parte do que caberia à pessoa que morreu e os bens que eram dele antes do casamento.

Planejamento

Juristas que defendem a mudança apontam que a alteração deve permitir maior flexibilidade dos cônjuges regularem livremente as questões patrimoniais sucessórias.

O presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-ES, Igor Pinheiro de Sant'Anna, ressaltou que isso se relaciona, diretamente, com a ideia do livre planejamento familiar.

Ele reforça que o anteprojeto apresenta novidades em relação ao testamento, para privilegiar vontade do testador e incluir as novas tecnologias da informação. Isso permitirá a elaboração de todas as formas de testamentos por meio de recursos digitais e de audiovisual.

Para ele isso representa grande incentivo para popularizar o uso do testamento.

Há juristas, no entanto, que alertam para a possibilidade da mudança trazer prejuízos para mulheres, já que no Brasil não há uma cultura de realização de testamentos e um planejamento sucessório.