Mais da metade de famílias com crianças de zero a três anos (51,4%) têm optado por mantê-las em casa em vez de enviar novamente às creches. A exceção está em famílias da classe D, em que 60% mandou os filhos para as creches. Entre os que não mandaram, o motivo é o medo do contágio pelo coronavírus, apontado por 40%.

Os dados são da pesquisa "Primeiríssima Infância – Interações na Pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de Covid-19", feita pela Kantar Ibope Media a pedido da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), obtida com exclusividade pelo G1.

A matrícula de crianças de zero a três anos em creches ou berçários não é obrigatória no Brasil, mas estimulam o desenvolvimento no início da primeira infância, o que pode refletir em aprendizagem futura (leia mais abaixo).

 

"Se a escola tiver protocolos e houver compromisso de não enviar criança com sintomas respiratórios, o retorno poderá ser seguro quando as condições sanitárias permitirem", afirma Eduardo Marino, diretor de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

 

Por outro lado, 59% das famílias afirmam que pretendem enviar as crianças quando as aulas presenciais forem retomadas e as condições forem viáveis.

 

Foram ouvidas 1.036 famílias de forma on-line e presencial. São representantes das classes A, B, C e D, com rendas de R$ 720 a acima de R$ 11,3 mil, que convivem ou são responsáveis por crianças de zero a três anos. A coleta aconteceu em março deste ano e aponta que, mesmo antes da pandemia, a matrícula escolar nesta faixa etária ainda não era realidade para a maioria.

Os dados apontam que:

Crianças de zero a três anos que vão para creches e pré-escolas desenvolvem noções básicas em letras e números, o que facilita no processo de alfabetização. Mas, com a suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia, famílias ainda não se sentem seguras para enviar os filhos às instituições quando houve reabertura. — Foto: Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
Crianças de zero a três anos que vão para creches e pré-escolas desenvolvem noções básicas em letras e números, o que facilita no processo de alfabetização. Mas, com a suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia, famílias ainda não se sentem seguras para enviar os filhos às instituições quando houve reabertura. — Foto: Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
  • Mesmo em municípios que reabriram as creches, mais da metade das famílias optou por não enviar os filhos;
  • Entre os motivos, está o medo de contágio para 40% dos respondentes;
  • No interior, 63% das famílias optaram por não enviar seus filhos às creches;
  • Nas classes A, B e C, 35% disseram que os filhos voltaram à creche;
  • Na classe D, o percentual sobe e vai a 60%;
  • Mais de 50% dos respondentes mantiveram contato com as creches durante a suspensão das atividades presenciais;
  • Entre eles, 51% afirmou que era para receber orientação de atividades escolares51% para receber cesta básica e máscara; e 58% para receber orientação sobre contágio;
  • Na classe D, 21% afirma que nunca recebeu orientação para fazer atividade com as crianças; e 29% nunca recebeu informação sobre contágio

 

 

 

Impactos

 

Marino destaca que a creche tem aspecto pedagógico e lúdico importante para o desenvolvimento da criança.

"A creche e pré-escola é uma preparação para a alfabetização da criança e da relação com os números. A criança participa de brincadeiras que estimulam a contar, por exemplo", explica Marino.

 

"Para crianças na idade pré-escolar, essa falta de acesso de quase dois anos poderá trazer alguns desafios para a escola no ensino fundamental, do ponto de vista pedagógico. Vai ser necessário cuidar dessa transição porque é uma criança que praticamente não teve acesso à aprendizagem. Considerando uma possibilidade de haver 3ª onda, ou que esta 2ª onda se perdure, é provável que a criança volte à escola em outubro, onde terá 4 meses de aula presencial em 2 anos", estima.

 

O risco de não reabrir creches e pré-escolas é de famílias recorrerem a estratégias que não vão garantir isolamento das crianças ou atender as necessidades educacionais.

"Ocorrem arranjos mais precários em que uma vizinha cuida das crianças, mas também tem seus afazeres, e acaba deixando-as em frente à televisão sem supervisão", diz Marino.

Outro aspecto é a convivência com outras crianças. Como há aumento de famílias com um só filho, as creches são os espaços onde ocorrem as trocas entre crianças de diferentes famílias. "É no brincar entre si que elas se desenvolvem".

Em março, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal divulgou uma pesquisa em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em que estima o impacto da aprendizagem para crianças de 4 a 5 anos. A conclusão foi de que estas crianças estão apresentando sinais de déficit no desenvolvimento da expressão oral e corporal no período de suspensão das aulas presenciais.

Cuidados

 

Marino defende o retorno seguro e o compromisso com a educação e a saúde.

 

"Por isso é importante que as prefeituras assumam a reabertura, obedecendo às curvas epidemiológicas e todas as condições sanitárias", defende.

 

Ele reconhece que é difícil garantir distanciamento e uso de máscaras em crianças tão pequenas, mas garante ser possível minimizar os riscos de transmissão.

"Você não vai controlar distanciamento de crianças nesta faixa etária. O que precisa é ter contato com as famílias para saber como está esta criança, e se ela está em condições de frequentar a creche. Febre, por exemplo, pode ser que seja gripe, mas é melhor que fique em casa. Este é um ponto, ter essa triagem de quem vai e não vai, quem entra e não entra", reforça Marino.

Além disso, o espaço precisa estar preparado e com ventilação adequada.

"Algumas creches e pré-escolas, principalmente as mais precárias, podem não ter condição de ventilação favorável. Nestes casos, de fato não é recomendado que reabra. Mas o município precisa avaliar a rede e ver o quão adequado são estes lugares", defende.