Marilyn Monroe dos detentos, pederasta e meliante. Essas eram algumas das alcunhas usadas pela imprensa para se referir a Cintura Fina, travesti que marcou Belo Horizonte na década de 1950. Um dos ícones da história da comunidade LGBTQIA+, a personagem finalmente tem sua movimentada vida retratada no livro Enverga, Mas Não Quebra, do escritor Luiz Morando e publicada pela editora O Sexo da Palavra.

 

Pesquisador que se dedica a recuperar a memória LGBTQIA+ de Belo Horizonte, no período entre 1946 e 1989, Luiz Morando descobriu Cintura Fina durante as investigações sobre o conhecido Crime do Parque, de 1946. O trabalho resultou no livro Paraíso das Maravilhas: uma história do Crime do Parque, lançado por ele em 2008. “Deparei-me, a partir de 1953, com as primeiras notícias publicadas sobre Cintura Fina. Desde então, fui recolhendo todo o material jornalístico sobre ela”, explica o autor.

ARQUIVO PESSOAL/ REPRODUÇÃO

Cintura Fina é símbolo da resistência LGBT da década de 1950

Resistência

Negra de 1,78m de altura e com temperamento forte, Cintura Fina era alvo de constantes agressões da polícia. Sua identidade, que transitava entre o que era considerado masculino e feminino, incomodava. Para se defender, usava com perícia uma navalha, o que lhe rendeu 11 inquéritos policiais por furto e lesão corporal. Chegou a dar aulas de como manusear o artefato.

“O ponto central é sua resistência, ao longo de quase 30 anos, por ser quem foi e se impor assim. Ela sempre performou sua feminilidade em um meio hostil, onde os questionamentos do que hoje designamos como gênero e identidade sexual não eram facilmente aceitos; onde a figura afeminada era considerada abjeta. Ela afrontava para se fazer reconhecer e não baixava a guarda diante de seus oponentes”.

 

Desse forte traço de resistência que Luiz Morando buscou inspiração para intitular o livro de Enverga, Mas Não Quebra. Segundo ele, dentro dos limites que lhe são impostos, Cintura Fina aprendeu a se defender, a resistir e a não se dobrar diante das situações. “Seu orgulho a fazia se impor, ainda que em alguns momentos ela tenha vivido conflitos com relação como era vista pelos outros e como se via”, afirma.

Legado

O autor conta que, ao se deparar com os conflitos pessoais de Cintura Fina, que emergiam em suas entrevistas, decidiu que a personagem deveria ser lembrada por mais que seus trejeitos “afeminados” e pelo uso da navalha. “Achei que aquela figura precisava ser humanizada, que o monólito da lenda precisava ser estilhaçado”, completou.

Segundo o autor, a biografia pode ajudar os jovens a contextualizar melhor a mentalidade que vigorava em outras épocas, o peso das perseguições e dos sofrimentos vividos por aqueles que os antecederam. “Acredito ainda que esse livro pode ajudar a fortalecer uma consciência de ativismo ao apontar para uma figura que lutou ao seu modo, empregando os meios ao seu alcance em sua época, para ser vista como pessoa, independente do fato de ter praticado delitos”, salienta Luiz Morando.