Dias antes de a chuva forte atingir o Sul do Espírito Santo, vários alertas meteorológicos foram emitidos para a Região Sudeste do Brasil. No Rio de Janeiro, a prefeitura da cidade chegou a decretar ponto facultativo por causa do risco de temporais. Mas no estado capixaba, o volume de chuva foi além do previsto e até a manhã de terça-feira (26), 20 pessoas morreram, sete estavam desaparecidas e mais de 7,6 mil pessoas tiveram que sair de casa.

Naquela semana e até na véspesa da tragédia, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu um alerta vermelho (grande perigo) para a possibilidade de chuvas intensas na Região Sudeste.

Os locais que estavam sendo apontados como principais focos da chuva eram a Região Metropolitana de São Paulo, o Sul de Minas Gerais, Sul do Espírito Santo e todo o estado do Rio de Janeiro, que estavam sob aviso de “grande perigo”.

Nesses locais, a previsão era de chuva superior a 100 milímetros por dia e ventos que poderiam chegar a 100 km/h.

Os alertas, de acordo com o instituto, valiam até domingo (24). O temporal atingiu o Espírito Santo entre a noite de sexta-feira (22) e a madrugada de sábado (23). O volume passou de 300 mm em algumas cidades e foi equivalente ao dobro de chuva esperado para o mês de março inteiro.

Foi o caso de municípios como Bom Jesus do Norte, que registrou mais de 300 milímetros de chuva num período de menos de 24h. Mimoso do Sul, uma das cidades mais atingidas, foram 231 mm.

Diante dessa tragédia, fica a pergunta: quais as condições e o que causou tanta devastação nas cidades de Mimoso do Sul e Apiacá? 

De acordo com o meteorologista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) Ivaniel Maia, o período de extremo calor vivenciado nos últimos dias do verão no estado, especialmente na Região Sul, ajudou para que o contato com a frente fria aumentasse a proporção da chuva.

"Uma semana antes da chuva, Cachoeiro de Itapemirim bateu 40ºC. Esse calor serve de combustível para uma combinação de tempestades. O calor foi quebrado com a chegada de uma frente fria, que levantou o ar quente para o alto da atmosfera. Quando ele sobe e atinge determinada altura, ele condensa e vira nuvens, que depois viram nuvens maiores, as Cumulonimbus", explicou o meteorologista.

São essas nuvens que chegam carregadas e com grande volume de água, que pode cair de uma vez, como tempestade, ou ao longo das horas, com chuvas constantes.

As condições meteorológicas já alertavam para a chuva forte. Mas a geografia do Sul do estado, especialmente de Mimoso do Sul, que é cercado de vales e montanhas, fez com que a frente fria ficasse mais estacionada e concentrada na região.

"Essa região cria um mecanismo que alimenta o vento mais frio, a frente fria empurra o ar quente e quando esse ar vai sobre as montanhas, favorece ainda mais a formação de nuvens de tempestade", pontuou Ivaniel.

Além disso, a região montanhosa fez com que a frente fria ficasse parada (estacionada) no local e não avançasse pelo estado ou em regiões mais próximas.

"Tinha uma baixa pressão em alto-mar e não deixava a frente fria avançar para o resto do estado. Esse deslocamento para o Sul capixaba já era previsto, e ao chegar na região montanhosa é característico do sistema ele ficar parado. E quando uma frente fria fica parada por uma determinada região por mais tempo do que deveria, isso foge do previsto. São chuvas excepcionais e eventos extremos", comentou o meteorologista.

O meteorologista explicou também que a região já é historicamente a que recebe maior volume de chuva, por geralmente ser a primeira parte do estado a receber o impacto da chegada da frente fria

Com a temperatura global aumentando ano após ano, a previsão é que temporais como esse se tornem mais frequentes.

"Com a chegada do outono, as tempestades devem acontecer com menos frequência, mas os próximos dias devem ser de pancadas de chuva nas regiões Sul, Serrana e na Grande Vitória, mas não com a mesma intensidade. A preocupação na Região Sul é maior porque o solo ainda está encharcado, então qualquer chuva pode causar algum prejuízo local", disse.

Para o doutor em Ciência Florestal e ambientalista Luiz Fernando Schettino, um trabalho de prevenção precisa ser o foco das cidades da Região Sul para tentar evitar tragédias como essa.

"Ali na região você já tem serras e coincide com a serra estar próximo do mar, o que acaba sendo uma escada para esses ventos. Um estudo completo precisa ser feito para ver os parâmetros e ver o que pode fazer para evitar esses impactos e até mesmo pensar em um redesenho da cidade. É tentar focar em um conserto do passado e uma linha reta para o futuro", contou Schettino.

Melhorar a drenagem, redesenhar a cidade, recuperar a cobertura florestal e conservar o solo são algumas ações consideradas essenciais para o especialista.

"Na situação atual, a chuva bate e vai toda para dentro do rio. Quando ela bate no solo seco, ela desce e chega no rio que está entupido de terra por um processo histórico de erosão e aterramento das áreas de recarga hídrica. Também cai a chuva e não tem cobertura florestal adequada. Com a combinação de montanhas, a chuva é drenada para dentro da cidade", apontou o especialista

A Defesa Civil de Mimoso do Sul disse que a cidade possui sistemas de informação, para a população pelo rádio, áudiovisual e sino da igreja, e que todos foram utilizados ao longo da semana para alertar a população. O órgão disse ainda que estão buscando a instalação de sirenes.

A Defesa Civil estadual disse que atua com um plantão 24 horas realizando mapeamento, monitoramento, previsão e alerta de extremos meteorológicos, hidrológicos, geológicos e oceanográficos.

Além disso, o estado também possui sistema de monitoramento através do site ALERTA!ES, que coleta, armazena, trata e gerencia dados a respeito das condições hidrológicas e meteorológicas que resultam, entre outros, no volume de chuvas e na vazão de rios por meio de estações pluviométricas, fluviométricas e meteorológicas.

Com os dados adquiridos, são emitidos, de forma automatizada, alertas de chuvas através de boletins bem como mapeamento de áreas de riscos.

O estado possui ainda um Centro de Inteligência da Defesa Civil Estadual (Cidec) que concentra dados e informações coletados que, processados e aliados aos conhecimentos operacionais, suportados por sistemas dedicados, formam a inteligência necessária ao gerenciamento dos riscos e desastres. E também investe em cursos em proteção e defesa civil, na modalidade EAD e presencial, para os agentes estaduais e municipais.