Desde os 10 anos, Gildalva de Oliveira Cypriano, hoje com 50, trabalha como empregada doméstica. “Comecei para ajudar a cuidar dos meus irmãos mais novos, ajudar no sustento da casa, com dinheiro”, conta. Na família dela, são 12 irmãos — seis homens e cinco mulheres. Gildalva é a mais velha de quatro irmãos.

Ela faz parte do grupo de 6,08 milhões de empregados domésticos no país, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad) de dezembro de 2023.

Foto colorida de Gildalva - Metrópoles

"Hoje sei que sou uma mulher que sabe fazer muita coisa e tenho orgulho do que faço. O preconceito começa na própria pessoa, porque ela não enxerga ainda o potencial que tem”, analisa Gildalva Naná Curti/ Arquivo Pessoal

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Gildalva começou a trabalhar como empregada doméstica aos 10 anos Naná Curti/ Arquivo Pessoal

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Hoje, é um exemplo de sucesso e superação, ao reunir diversas conquistas

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"Hoje sei que sou uma mulher que sabe fazer muita coisa e tenho orgulho do que faço. O preconceito começa na própria pessoa, porque ela não enxerga ainda o potencial que tem”, analisa Gildalva Naná Curti/ Arquivo Pessoal

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De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, essa ocupação diz respeito àquela realizada no âmbito residencial da pessoa ou da família, desde que o trabalho não gere lucro para a parte empregadora.

Para este sábado (27/4), Dia da Empregada Doméstica, o Metrópoles conversou com Gildalva, uma dessas brasileiras que enfrentou dificuldades da realidade trabalhista e o preconceito, sobre sua história de superação.

“Empregada doméstica, feia e gorda”

Nascida em Água Branca, “um cantinho” na Bahia, a primeira grande mudança de Gildalva ocorreu aos 15 anos, quando migrou para São João do Paraíso, em Minas Gerais. Lá, morava na casa dos patrões, nos conhecidos “quartinhos de empregada,” que, na década de 1970, chegavam ao máximo de 6m².

“Foi muito difícil [a mudança], porque me sentia muito sozinha naquele pequeno quarto nos fundos, onde era reservado para mim. Eu sabia que ali não era meu lugar, tudo [meu] era no cantinho”. Segundo Gildalva, o quartinho tinha uma beliche, na qual a parte de cima era usada para “guardar tralhas”.

“Era terrível. Na escola, eu sofria bullying, era chamada de feia, gorda. Uma vez, um menino falou para mim que não me namorava porque eu era empregada doméstica, feia e gorda. Eu fui criando esse bloqueio, de que ser uma empregada doméstica era a pior coisa do mundo, mas eu não tinha opção”, conta.

Mudança para São Paulo

Aos 17 anos, Gidalva migrou mais uma vez, dessa vez para São Paulo. “Isso aí não fica comigo nem 30 dias”, escutou da nova patroa. A baiana está com a família há 33 anos.

“No início, ela (patroa) era muito má, brava, e eu falo isso para ela. Às 6h15, eu já tinha que estar com café na mesa, já tinha ido à padaria e voltado. Ela era rígida, e tudo tinha de ser para ontem. Com os anos, desenvolvemos uma relação muito boa e, hoje, sou grata a Deus por ter me colocado nessa família. Sou muito privilegiada. Eu aprendi muito e aprendo muito com eles até hoje”, comemora Gildalva.

O sentimento de gratidão vem muito da época em que se separou do ex-marido, que foi embora e deixou para trás e um filho, de 9 anos, e um rombo financeiro.

“Eu estava em uma situação que, se eu comprasse uma bala para o meu filho, eu não podia pegar o ônibus para ir para o trabalho”, lembra. Foi da patroa, apelidada carinhosamente de “chefinha”, que vieram palavras de apoio e conforto: “Você não está sozinha, você tem a gente”.

Cura do (auto)preconceito

Desde criança, quando começou a trabalhar como doméstica, Gidalva nutria em si um autopreconceito, irrigado por comentários e julgamentos alheios. “Eu tinha muita vergonha de falar para as pessoas que eu era empregada doméstica, e não contava para ninguém com o que trabalhava”.

Perguntada sobre o motivo desse comportamento, ela explica: “Quando você fala que é empregada doméstica, as pessoas já te veem como se fosse a profissão, né? Como se fosse a pior das profissões”.

Uma piada de um familiar sobre mulheres divorciadas foi a gota d’água. “Ninguém foi à minha casa perguntar se eu precisava de ajuda para pagar uma conta; então, eu não ia permitir que ninguém risse de mim”, revela a mulher.

“Nunca tinha postado uma foto numa rede social se eu não estivesse arrumada, mas teve um dia que eu me revoltei. Aí, gravei um vídeo, sem maquiagem, sem nada, sem filtro mesmo, falando, colocando para fora. Falei que eu não tinha vergonha mais de ser empregada doméstica e de ser uma mulher separada, porque eu sou uma mulher de respeito”, lembra.

Gildalva percebeu que a história dela poderia ajudar outras pessoas. “Recebo mensagens lindas, de pessoas dizendo que se identificam comigo”, aponta. Ela, então, construiu uma comunidade nas redes sociais voltada para empregadas domésticas.

Fez terapia e conseguiu se enxergar de um modo diferente. “Hoje, sei que sou uma mulher que sabe fazer muita coisa e tenho orgulho do que faço. O preconceito começa na própria pessoa, porque ela não enxerga ainda o potencial que tem”, analisa.