Quando uma jovem mulher foi até o escritório do Serviço da Família no norte do Alabama no ano passado buscando por ajuda, dizendo que havia sido estuprada por seu tio quando tinha 15 anos, a advogada especialista em estupro Portia Shepherd ouvia algo que a chocou.

O tio em questão, que estava saindo da cadeia após uma condenação por tráfico de drogas, queria fazer parte da vida da criança. 

E, no Alabama, o estuprador pode obter a guarda. Jessica Stallings disse ter engravidado quatro vezes do meio irmão de sua mãe, Lenion Richard Barnett Jr., de 39 anos. 

Dois filhos morreram e os outros dois hoje estão com 15 e 12 anos.

“É a coisa mais louca que eu já ouvi na minha vida”, disse Shepherd. “No Estado, pessoas ficaram chocadas. Como o Alabama pôde deixar escapar essa lei?” 

O Alabama é um dos dois estados americanos sem um estatuto que acaba com os direitos paternos para uma pessoa que tenha engravidado uma mulher por meio de estupro ou incesto, fato que tem ganhado relevância desde que os congressistas adotaram um veto mais rigoroso para o aborto em maio. 

O veto inclusive proíbe o procedimento para vítimas de agressão sexual e prende médicos que pratiquem o aborto, exceto em casos de sérios riscos para a saúde da mulher.

Enquanto a lei do aborto no Alabama tem sido desafiada na Justiça, ativistas pelos direitos do aborto temem que isso possa reduzir o acesso ao procedimento, forçando vítimas de estupro a ter o filho e a criá-lo ao lado de seus agressores.

No último mês, congressistas pelo Alabama consideraram um projeto de lei para pôr fim aos direitos paternos em caso de estupro com gravidez, mas a legislatura removeu essa parte, limitando a lei aos casos em que pessoas agridam sexualmente seus filhos. 

A senadora Vivian Figures e outros congressistas acreditaram que o trecho que foi removido poderia ter excluído garotos agredidos sexualmente, porque eles não podem ficar grávidos. 

Figures disse que não sabia que o Alabama precisava de um estatuto impedindo estupradores de obter a custódia de sua prole, mas disse que agora planeja um novo projeto de lei na próxima sessão legislativa.“É completamente desagradável, injusto e perigoso para essas mães e crianças”, disse Figures, que votou contra a proibição do aborto no Estado.

Alguns ativistas antiaborto têm estado à frente dos esforços para passar tal lei. Rebecca Kiessling, uma advogada antiaborto que foi concebida por estupro, disse que as leis protegem as mulheres que escolhem manter a gravidez. “Talvez elas não abortariam ou dariam a criança para adoção se elas soubessem que estão protegidas.”

Mas as leis que determinam direitos paternos em caso de estupro têm levantado a polêmica. Ned Holstein, presidente da Organização Nacional de Pais, que advoga pela guarda compartilhada após o divórcio, disse que permitir que varas de família cortem direitos parentais baseado em acusações de estupro é “um convite aberto à fraude”.

“Tirar uma criança de alguém é grave”, ele disse. “E se isso é feito a um inocente pai, você também está negando à criança o próprio pai para sempre e colocando-a na única custódia de um progenitor cruel que está desejando fabricar uma acusação abominável.”