Há quatro anos, após uma representação do Ministério Público Estadual (MPES), o Instituto Capixaba de Pesquisa e Estatística (Icapes) foi impugnado, sendo proibido de publicar uma pesquisa de intenção de voto, sob pena de multa, caso não atendesse a decisão. Quatro anos depois, o instituto voltou a realizar pesquisas eleitorais.

Entretanto, com base em relatos de uma fonte ouvida por ESHOJE, números contidos nas pesquisas realizadas pelo Instituto “destoam muito da realidade”. Consultado pela reportagem, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES) informou que “não há nenhum impedimento” para que o Icapes realize pesquisas eleitorais.

Segundo o TRE-ES, “o Ministério Público Estadual não deu seguimento ao processo, restando apenas a determinação pela não publicação do resultado da pesquisa eleitoral. Em função disso, a decisão foi publicada e posteriormente arquivada”.

Diante disso, em 5 de setembro de 2020, uma pesquisa encomendada por um portal de notícias do município de Nova Venécia, na região Noroeste do estado, junto ao Icapes, segundo relatos da fonte ouvida pela reportagem, “destoa totalmente das outras realizadas”.

A pesquisa é referente a corrida eleitoral em Boa Esperança, também na região Noroeste, e, da mesma forma, foi publicada no portal de notícias Tribuna Capixaba, de Montanha, no Norte.

Segundo a pesquisa, o candidato à prefeitura de Boa Esperança, Romualdo Milanese (Solidariedade) estaria eleito com mais de 50% dos votos. A candidatura de Milanese, no entanto, recebeu um pedido de indeferimento por parte do Ministério Público Eleitoral. Ele, que também é ex-prefeito do município, em uma rede social oficial, confirmou a candidatura.

Metodologia

A partir dessa pesquisa, diversas pessoas junto a fonte ouvida por ESHOJE, questionaram fatores científicos utilizados e foram em busca de informações sobre a empresa. Tanto a pesquisa (sob o número ES-09816/2020) quanto o Icapes tem registro no TRE-ES (veja abaixo).

 

“Comecei a fazer uma investigação junto ao Poder Judiciário e fui descobrindo que tinham pesquisas impugnadas. Continuei pesquisando e liguei para eles pra ver se conseguia conversar com alguém da empresa e entender os critérios utilizados. Ela [empresa] fala que fez 430 entrevistas em um dia só e raramente você faz um quantitativo assim neste período”, contou a fonte, destacando que não conseguiu esclarecimentos por conta de não haver um contato direto pra contratar com a empresa. 

Para o advogado Thiago Oliveira, “o que parece é que o volume de entrevistas é muito elevado, especialmente se confrontado de que a coleta de dados se deu em apenas um dia”. Mesmo diante disso, Oliveira explica que “a pesquisa apenas pode ser divulgada mediante devido registro”. Caso isso não ocorra, ela pode ser considerada ilegal. 

“De qualquer porte, qualquer análise requer um estudo dos materiais apresentados pelo Instituto junto ao registro na Justiça Eleitoral. E, caso qualquer candidato se sinta prejudicado, pode apresentar impugnação à pesquisa eleitoral, na forma e prazo estabelecidos na legislação”, disse. 

Ao tentar contato com o Icapes, o telefone informado não corresponde a empresa. A reportagem foi in loco — no endereço da empresa, que corresponde a uma sala de um edifício comercial na Enseada do Suá, em Vitória (veja abaixo) — e foi informada, por uma recepcionista, que o local, no caso, corresponde apenas ao endereço fiscal do Icapes.

O espaço corresponde a uma empresa de call working, que presta serviços ao Instituto. A reportagem ao tentar fazer contato com o Icapes no local, foi informada que poderia apenas deixar dados e contatos para que a empresa entrasse em contato, o que não foi feito.

Vínculo político

A partir das averiguações, a fonte ouvida por ESHOJE também identificou que “os sócios têm vínculo político”. “Eu percebi que trata-se de uma empresa tendenciosa. Você não consegue questionar a metodologia deles, porque não encontra ninguém lá e não tem acesso”. 

Ao consultar o quadro de sócios e administradores do Icapes, a reportagem identificou Celso de Oliveira Bussu como sócio/administrador e Evany Porto de Lira como sócia. Busso, por sua vez, conforme consta no Diário Oficial do Espírito Santo do dia 21 de agosto de 2020, é presidente da Comissão Provisória Municipal de Montanha do PSB (veja abaixo).

  • Comprovante de inscrição e de situação cadastral do Icapes — (Foto: Reprodução/Receita Federal)

  • Consulta Quadro de Sócios e Administradores do Icapes — (Foto: Reprodução/Receita Federal)

  • Comprovante de inscrição e de situação cadastral do Icapes — (Foto: Reprodução/Receita Federal)

  • Consulta Quadro de Sócios e Administradores do Icapes — (Foto: Reprodução/Receita Federal)

 

Comprovante de inscrição e de situação cadastral do Icapes — (Foto: Reprodução/Receita Federal)

Além disso, Bussu, que também é diretor-presidente do portal de notícias Tribuna Capixaba, é casado com Evany, responsável por escrever o texto no jornal pertencente ao esposo sobre a pesquisa eleitoral referente a disputa no município de Boa Esperança e sócia do Icapes (veja abaixo)

  • Busso, conforme consta no Diário Oficial do Espírito Santo do dia 21 de agosto de 2020, é presidente da Comissão Provisória Municipal de Montanha do PSB — (Foto: Reprodução/DIO-ES)

  • Evany é a responsável por escrever o texto no jornal Tribuna Capixaba sobre a pesquisa eleitoral referente a disputa no município de Boa Esperança — (Foto: Reprodução/Tribuna Capixaba)

  • Busso, conforme consta no Diário Oficial do Espírito Santo do dia 21 de agosto de 2020, é presidente da Comissão Provisória Municipal de Montanha do PSB — (Foto: Reprodução/DIO-ES)

  • Evany é a responsável por escrever o texto no jornal Tribuna Capixaba sobre a pesquisa eleitoral referente a disputa no município de Boa Esperança — (Foto: Reprodução/Tribuna Capixaba)

 

Busso, conforme consta no Diário Oficial do Espírito Santo do dia 21 de agosto de 2020, é presidente da Comissão Provisória Municipal de Montanha do PSB — (Foto: Reprodução/DIO-ES)

Na pesquisa, questionada pela fonte ouvida por ESHOJE junto a um grupo e escrita por Evany, o candidato a prefeitura de Boa Esperança que lidera nas intenções de voto é Milanese, com a coligação “Boa Esperança de todos”, composta por Republicanos, PSL, Cidadania, Solidariedade, PT e PSB, partido ao qual Bussu é presidente da Comissão Provisória Municipal em Montanha.

Celso Bussu

  • Celso de Oliveira Bussu, sócio/administrador do Icapes — (Foto: Reprodução/Facebook)

Procurado pela reportagem, Bussu disse que “quando você faz a pesquisa e ela não é favorável a pessoa, ela não quer que seja publicada”.

“Fizemos pesquisas na Bahia. Em Teixeira de Freitas, Mucuri, Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália e não temos relação política nenhuma lá e são indicações de pessoas lá mesmo”.

Além disso, Bussu esclarece que “quem contratou a pesquisa foi o jornal de Nova Venécia. Ele [jornal] pagou e eu passei o resultado”. E que, pessoalmente, não tem uma relação com isso. “Tenho uma relação com o prefeito Romualdo, por sermos da mesma região, e ele sabe que houve e que era uma pesquisa do Icapes. Ele até me ligou e falei que primeiro teria que ter o resultado, o qual precisaria ser vista com o jornal que contratou”.

Em relação a metodologia do Icapes, Bussu explica que as pesquisas são feitas em um tablet com um sistema de Fortaleza, no Ceará, onde não é possível acessar as entrevistas e nem exclui-las. Ao todo, na média, cerca de oito entrevistadores saem à campo. “Se você pegar 580 pessoas, ficam 74 para cada tipo de entrevistador e você entrevista em um dia. Não vou colocar a empresa por causa de questões políticas”.

Romualdo Milanese

  • Candidato à Prefeitura de Boa Esperança, Romualdo Milanese (Solidariedade) e o vice — (Foto: Reprodução/Facebook)

Em entrevista ao ESHOJE, Milanese conta que soube do resultado da pesquisa por meio jornal que encomendou. “Não tenho um contato direto com o Celso. Conheço ele, o instituto dele… Agora essa pesquisa, só recebi o resultado. Não temos nada a ver com a contratação e o questionário”. 

Além disso, o candidato pelo Solidariedade à prefeitura de Boa Esperança diz que ficou “chateado” em relação ao resultado, mesmo tendo saído em vantagem. “Hoje se você fizer uma pesquisa, ela passa de 70%. O resultado não foi aquilo que eu esperava”.

A reportagem também entrou em contato e demandou o PSB, mas até a publicação, não obtivemos resposta.